A mulher do próximo

Publicado por Antonio Carlos Santini 16 de abril de 2024
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Todo mineiro é avisado. Ressabiado. Não bota a mão em cumbuca. Por isso fala pouco, custa a dar palpite. Prefere esperar mais, até que as coisas estejam tão claras, que nem precise falar, pois todos já estarão diante da evidência.
Todo mineiro fala pouco. Se houver exceção, é gente que nasceu em navio. E Minas não tem mar… Em questão de mulher, então, aí é que o mineiro se fecha em copas e não se manifesta. Quem gaba a noiva é o noivo. Quem muito fala, dá bom dia a acavalo.

Em questão de mulher, se dependesse do mineiro, havia de haver um décimo primeiro mandamento na pedra fria do Sinai: “Não falar da mulher do próximo”. É questão de honra que faz correr muito sangue nas pedras rústicas da praça, nas porteiras dos descampados. Não se fala da mulher dos outros. Mesmo que seja safada.

* * *

Pois não é que tem gente precisando saber desses conformes? Tem gente metendo a cara na televisão e nos jornais, só para falar mal da Igreja, a esposa de Cristo. “Óia, gente, que isso ainda acaba mal! A mulher tem dono, uai! E fica toda essa gente a dar palpite na vida dela, a botar defeito, a difamar a cuja, como se não tivesse marido?!”

Claro: calúnia é calúnia em qualquer lugar. A respeito de quem for. A liberdade de expressão e de opinião não inclui, deveras, falar mal da mulher dos outros. Mesmo que o marido pareça uma entidade abstrata, alguém que já passou pelo mundo, réu de pena de morte que morreu e prometeu voltar. Mas ainda não voltou…

Ah! Mas quando voltar… Êta coisa bonita de se ver! Quando o marido voltar, montado no seu cavalo branco, ferrado dos quatro pés, a sela cravejada de prata e madrepérola… Ah! Quando ele voltar com sua tala de couro cru e as chilenas de estrela bem grande cintilando no sol das Minas Gerais! Ah! Ah! Eu ainda quero estar vivo e ver – com esses olhos que a terra há de comer – a cara dessa gente linguaruda que fala da mulher dos outros como se fosse mulher da vida. Prostituta.

– Mode, então, que vassuncê andou falando umas coisinhas aí da minha patroa? Não teve freio nem papas na língua, pois não?

E o rebenque vai estalar sem dó nem piedade. A lapiana afiada, lambedeira esperta, espinho-de-santo-antônio, vai traçar uma cruz bem na testa do desaforado. Moleque vai tentar correr, azular, mas o cavalo branco não deixa, pateando à sua frente. Aí moleque vai perder a coragem, menininho sem rompante, fazendo xixi perna abaixo.

– Fala agora, moleque safado! Repete esses palpites que vassuncê andou espalhando pelas redondezas sobre a vida da minha mulher!

– Mas, Senhor…

– Nem Senhor, nem meio Senhor! Agora, dobra o joelho aqui na praça, que nós temos uns acertos pra fazer…

* * *

Podia ser assim. Só que vai ser pior. A esposa em questão é a Santa Igreja. Uma pessoa mística da qual o Cordeiro se enamorou, com ela celebrando noivado e bodas para sempre. Tem gente que olha para ela e vê apenas instituição e estrutura, hierarquia e arquitetura, cânones e dogmas.

Mas ela é uma PESSOA. Uma pessoa amada por seu esposo, que deu por ela o próprio sangue. E há de cobrar o sangue de seus caluniadores.

Quem morrer, verá…

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