Na Era do Rádio

Publicado por Sebastião Verly 4 de janeiro de 2010

Na Era do Rádio

Dizem que quando a gente vai ficando mais velho, a nossa mente lembra mais das coisas antigas. Por isso não me envergonho de contar causos dos anos de 1950 e muito próximos. Eu tinha meus oito anos (oh que saudades que tenho da aurora de minha vida) e muita vontade de entender o mundo.

Eu saía da minha casa em Pompéu, numa ponta de rua chamada Os Cristos, ninguém falava bairro dos Cristos, mas simplesmente “lá nos Cristos”, e ia visitar as minhas irmãs, filhas do primeiro casamento de meu pai. Na ocasião, eram cinco irmãs e um irmão solteiro. Dos Cristos à casa das meninas (era assim que referíamos à casa delas) era uma boa caminhada. Algumas vezes elas me davam a maior atenção, falavam que eu era muito inteligente outras vezes eu permanecia ali solitário vendo o movimento da casa e ouvindo o rádio. Até me levaram para morar com elas por um pequeno período.

Eu ficava até mais tarde na “visita” mais para ouvir o emocionante Julio Louzada. E foi justamente porque me esbarrei com um “site” na internet sobre aquele radialista que resolvi escrever. Para quem não viveu naquela Era, Júlio Louzada foi um locutor famoso, que fazia um programa diário, às 6 horas da tarde, quando recitava, com voz super empostada, a oração da Ave-Maria. Antes da oração, ele lia uma carta de ouvinte pedindo conselhos, e os dava graciosa e formalmente, como um consultor sentimental, um analista sem divã, mas com um microfone que lhe dava o renome que muitos psicólogos jamais tiveram em seus consultórios.

Como já escrevi alhures, na minha rua não tinha energia elétrica, portanto, não tínhamos rádio. Mas eu procurava ouvir rádio de vez em quando. Ouvi muito os discursos do Getulio Vargas e ficava esperançoso que os trabalhadores um dia tivessem vez. Mesmo assim, minha família continuava torcendo pelo Brigadeiro Eduardo Gomes, da Aeronáutica, candidato à Presidência da República pela UDN, bastante reacionário.

O rádio me prendia a atenção naturalmente. Eu não demonstrava o quanto me encantava aquele aparelho.

Mas o que me motivou a escrever hoje foi o velho Júlio Louzada. Na casa das minhas irmãs, aquele momento, 18 horas, era todo de contrição. Sentávamos todos diante do rádio Philips que ficava em cima da cristaleira. Ali, quase em transe, minhas irmãs ouviam a Ave Maria. Alguns dias, elas colocavam o copo d’água próximo ao rádio para benzer. Depois elas bebiam a água na espera de uma vida melhor.

Depois da Ave Maria, creio que tendo como fundo musical a Ave Maria de Gounod, o radialista Julio Louzada que muitos acreditavam padre, ou ex, dava os seus conselhos. E a apresentação dramatúrgica era de fazer inveja aos atores das novelas de hoje. Na maioria das vezes os conselhos eram para pessoas com a tal dor de cotovelo. Reclamavam da perda de um amor, de uma traição ou de uma frustração. Deve ser por isso que minhas irmãs, duas solteiras até hoje, além de duas que morreram solteironas, enchiam seus olhos de lágrimas.

Gerou até uma música de carnaval, cuja letra era mais ou menos assim: “A mulher de meu melhor amigo, me manda bilhete todo dia, desde que me viu ficou apaixonada. Me aconselha Julio Louzada.”

Eu cresci e percebi que havia tudo de ingenuidade, naquela gente simples-simplória que procurava seguir (ou não?) os conselhos daquele radialista desconhecido.

E cheguei à conclusão que o mundo progrediu muito e ninguém hoje acreditaria mais num conselheiro pelo rádio, jornal e televisão.

Pensava assim até que minha mente me traiu ou me salvou, sei lá. Trouxe uma situação tão presente que descobri que ou eu não estou tão velho, ou a história de que gente não se lembra dos fatos recentes é balela.

Quem não conhece o picareta Antonio Roberto que de tanto dar conselhos pela TV, candidatou diretamente a Deputado Federal, por Minas Gerais, e deve ter mandato vitalício, graças aos seus programas “a la Julio Louzada”, no rádio, na TV e nos jornais.

Comentários
  • jota junior 4773 dias atrás

    Julio Louzada faz muita falta no radio principalmente com as saus orações no final da tarde, era uma epoca boa principalmente nos anos de 70 e 80. Quanta saudade.

  • luzia felipe 4781 dias atrás

    Tenho 52 anos e há um mês perdi minha querida mãezinha, isto me trouxe lindas recordações da minha infância, quando ela, às 18hs, nos falava que era hora de parar a brincadeira para, em volta do rádio, ouvirmos a ave-Maria com op Júlio Louzada e depois bebermos um pouco da água de um copo, colocado ao lado do rádio. A musica que introduzia o programa era a Ave-Maria de Gounod, que marcou muito minha feliz infância ao lado da mina mãezinha e irmãos, foram os entardeceres mais lindos da minha vida. Lembro-me quando ele faleceu, se não me engano, no final dos anos 80.

    • Lucio 4012 dias atrás

      Era exatamente assim. Minha mãe, que também está junto ao Senhor, também fazia com que nós parássemos tudo que estivéssemos fazendo para ouvir a oração e depois bebermos a água colocada no copo. Que saudade desse tempo! Que saudade de minha mãe!

  • Mauro de Souza 4794 dias atrás

    É uma grande verdade quando paramos pra lembrar de algo do passado, então me vem à memória Julio Louzada, eu era um menino quando minha mãe colocava na Rádio Tupi e ouvia a voz do inesquecivel Julio Louzada, fica na paz aonde teu espirito estiver, homem de fibra em vida, PORTADOR DE UMA VOZ maravilhosa, hoje aquele menino um Homem de 43anos …saudades Julio Louzada !!!!!!!!!!!!

    • Márcia Ribeiro Kunze. 3761 dias atrás

      Boa tarde.
      Estava procurando no youtube,e não encontrei a oração da Ave Maria, na voz de Júlio Louzada. Brasil, terra de pessoas sem memória; mas o que não presta para união familiar tem muito.
      Inclusive vídeos proibidos.

      Que coisa lamentável.

      Márcia Ribeiro Kunze.

  • Alberto Ferreira Cabral 4842 dias atrás

    Eu também recordo do meu pai ligar o radio todos os dias para ouvir o programa de Julio Louzada todas as tardes.

  • dagmar 4849 dias atrás

    pensei que não encontraria nada mais sobre Julio Louzada, é verdade o homem é eterno quando sua memória permanece. A voz de Julio Louzada é ambivalente (semente boa e terra fértil ao mesmo tempo) Parabéns!

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