Guerras, terremotos, um crack da Bolsa de Valores, uma pandemia – tudo serve de lição. No último caso, a interrupção das aulas presenciais e a adoção forçada do ensino à distância trazem ao noticiário a informação de que os alunos tímidos estão se sentindo mais à vontade em casa do que na sala de aula.
Novidade? Talvez não, mas ajuda a prestar atenção naquilo que parece normal, mas deve ser corrigido: o ambiente da escola pode ser pouco amistoso para muitos estudantes.
Quem vive, ou viveu de perto a realidade das escolas, conhece bem alguns de seus ingredientes negativos, o medo do fracasso, pressão por resultados, comparação entre dons diferentes, antipatias gratuitas, grupos antagônicos, preconceitos e – talvez como seu coroamento – o maldito bullying.
Basta uma pequena “diferença” ou alguma deficiência visível para disparar o processo. Lembro-me de um aluno meu da 5ª série do 1º grau que lutava contra a gagueira. Suas tentativas de leitura eram a ocasião para risos e zombarias. Tomei uma atitude firme diante da turma e ameacei com exclusão quem o desrespeitasse. Ajudei o garoto a controlar a respiração, a ler devagar, sabendo que não haveria mais o risco do ridículo. E ele superou rapidamente sua dificuldade.
Outro aluno da mesma série tinha uma pequena cicatriz proveniente de uma cirurgia para correção de um lábio leporino. Logo percebi que ele procurava esconder-se e não chamar a atenção. Era dono de uma inteligência acima da média, e fui dando a ele oportunidades de demonstrar seus dons na leitura, nos trabalhos em equipe etc. Logo recuperou a confiança e seguiu adiante sem problemas.
Em plena pandemia, é curioso descobrir que as aulas remotas, ainda que brotem de uma emergência, sirvam de diagnóstico para o lado sombrio do ambiente de sala de aula, especialmente em uma época que abriu mão da antiga disciplina. Os tímidos estão mais à vontade em casa, com o apoio dos pais e sem a pressão da “turma”.
Segundo Lidia Weber, professora sênior do Doutorado em Educação da Universidade Federal do Paraná, em declaração à Gazeta do Povo, “os estudantes tímidos são bons ouvintes, geralmente bem comportados e trabalham bem nas tarefas escolares. Há tímidos que não gostam de ficar no meio de pessoas, mas existem tímidos que gostam de ficar com pessoas sociáveis. Esse segundo tipo pode sofrer um pouco mais – porque parece que o mundo de hoje exige que todos sejam supersociáveis”.
Diferentes matérias publicadas sobre o tema trazem relatos dos próprios estudantes. Para eles, os mais tímidos conseguem à distância participar mais das aulas e com confiança. O fato de estar em um ambiente próprio garante a autonomia dos alunos. Alguns alunos afirmam que se concentram melhor sem barulho ou conversas. Ao mesmo tempo, os pais que estão trabalhando de casa podem acompanhar mais de perto as atividades dos filhos.
Outros observadores chamam a atenção para o uso da tecnologia, quando algum instrumento serve de mediação entre o estudante e o objeto de seu estudo, sem os traços emocionais que envolvem pessoas próximas, como mestres e colegas.
Bem, estou convencido de que esta pandemia tem muito mais a nos ensinar. Mas já é um bom começo…
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