Conceição, eu me lembro muito bem…

Publicado por Antonio Carlos Santini 12 de junho de 2023
Conceição RV

Conceição RV

O leitor me perdoe, mas não é a Conceiçããão do Caubi Peixoto. É outra.

A Conceição que não me sai da memória é a cidadezinha banhada pelo Rio Verde, onde passei os quatro anos do curso ginasial. Ali, aonde cheguei de calças curtas, podado das raízes paternas aos dez anos e meio de idade, dividíamos nosso tempo entre as aulas do Ginásio São José, a nossa “roça” de café, milho e feijão, e, óbvio, o campo de futebol.

Sim, eu me lembro muito bem de Conceição do Rio Verde. Tínhamos até piscina, um luxo para aqueles tempos! A bem da verdade, nem sempre podíamos usá-la, pois a água não era tratada e com frequência passava a ser habitada por notável população de vermes e outros micro-organismos inconfessáveis.

Foi naquela piscina que arranjei uma cicatriz no couro cabeludo, tentando mergulhar de costas, a partir da mureta do lava-pés. Afinal, se o mestre mandar, faremos todos. Paulo Veronese foi à frente, desafiando os outros. Eu tentei. Acordei nos braços de um colega salva-vidas. As compressas de azeite do Irmão Antônio reduziram um pouco a pelada resultante…

O campo de futebol era de terra batida. Não tinha sequer aquela suave camada de areia fina que premiava o campo dos “maiores”. Joelhos ralados, cotovelos estropiados, banhos de lama no tempo das chuvas, valia tudo em nosso campeonato.

Aliás, se me lembro tão bem, é que tenho à minha frente o álbum de retratos com as fotos batidas pelo saudoso Padre André Antonini. Aqui está o time do Bangu, camisetas listradas de vermelho e branco, na vertical. Pela ordem, da esquerda para a direita: José Maurício, Toninho Pindoia, José Diocésar, Aristeu Baltazar, Wilson Maciel. Geraldo Lemos, José Nunes, Gambá, Caquinho no gol, esparadrapo na testa, José Adão e Hélio Pereira. De apito na boca e blusão de frio, o juiz da partida, Fernando Loesch.

Era o 2º semestre de 1955. Quase 70 anos! Lá no fundo, o bambuzal e aquelas árvores cujas sementes usávamos como “tentos” no jogo de truco, mais tarde proibido pelo novo diretor, disposto a sanear as estruturas do internato. Naquele bendito jogo, apostávamos a sobremesa. Os sinais usados entre os parceiros de truco e “dourada” nos garantiam três ou quatro bananas extras a cada refeição. Também foi proibido, pois feria a virtude da caridade. Bons tempos!

Corria entre os colegas uma extensa biblioteca de livros proibidos, cuja leitura poderia levar os seminaristas em longa procissão para o inferno. Em geral, eram livros de aventuras da coleção Terramarear. Uma das mágoas que guardo daquele tempo é que jamais me passaram “A Vingança do Iroquês”. É muito triste saber que vou morrer com essa lacuna em minha formação literária! Havia também as aventuras do Braço Forte entre os nativos do Marrocos. Uma vez, em pleno retiro espiritual, um dos maiores roubou-me exatamente este romance, que eu lia em profunda meditação.

De vez em quando, passo de ônibus por Conceição do Rio Verde. Abriram por lá uma nova rua que corta em dois o nosso velho campo de futebol. O coração doeu de ver a piscina vazia e, pasmem!, um enorme pé de goiaba crescendo lá dentro, em uma rachadura do concreto. Por essas e outras, não aconselho ninguém a visitar antigos lugares na esperança de reencontrar a infância perdida. Viagens aos seios de Duília só fazem sofrer!

Olho de novo para o retrato. No verso, anotei o resultado da partida final do campeonato, no 2º semestre de 1955. Perdemos, 2 x 1. Fomos vice-campeões. Eram três times.

Afinal, a vida é assim. Não se pode ganhar todas…

Comentários
  • Antonio Angelo 468 dias atrás

    Os que têm mais de 60 sabem sabem a dor e oprazer de infâncias como esta! Concepções de um viver particular de SANTINI,..
    Mas que relembra singulares Conceições onde cada um de nós praticou as artimanhas da infância.

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