Arte: em busca da Fonte

Publicado por Antonio Carlos Santini 8 de setembro de 2009

Arte: em busca da Fonte

Podemos voltar à reflexão de Thomas Merton, quando fala do contemplativo não como um iogue sentado sobre os calcanhares, mas como alguém à procura da Fonte essencial. “A contemplação relaciona-se com a arte, o culto, a caridade. Todas essas coisas se estendem, pela intuição e a autodedicação, a domínios que transcendem a conduta material da vida cotidiana. Ou melhor, em meio à vida ordinária de cada dia, elas procuram e encontram um sentido novo e transcendente. E, pela força desse sentido, elas transfiguram a vida toda.”

Aqui, compreende-se por que razão uma sociedade, ao entrar em decadência moral ou espiritual, de imediato gera uma modalidade de produção artística que serve de diagnóstico para sua própria decadência. A música e a pintura contemporânea confirmam esta análise. Ao contrário, a História mostra que ali onde o espírito pôde elevar-se acima da matéria, exatamente ali a arte atingiu o seu ápice. E mesmo que esse grupo humano venha, mais tarde, a experimentar a decadência comum a todos os grupos, suas obras de arte deixarão no espaço uma espécie de nostalgia, a recordar as altitudes a que o humano é chamado.

Esta mesma nostalgia é inseparável do processo de criação. Sopro divino, o espírito humano tem saudades de Deus: um rio que, a caminho do mar, chora seu afastamento da Fonte primordial. De outro modo, não seria a ânsia de eternidade uma das principais “explicações” atribuídas ao trabalho do artista. Nas palavras de André Gence, padre e pintor, no artigo “A arte, sinal de ressureição” em “Le Courrier de Tychique” nº 80/81, jul-set/1989, “um artista procura sempre o absoluto, pois sua arte não é mais que uma remota aproximação”. Por isso mesmo, todo artista é um insatisfeito, como o genial Michelangelo a golpear seu “Moisés”, porque a estátua quase-perfeita não falava…

Desde o fim do Séc. XIX, comenta Gence, a arte já não exprime de fato a sociedade humana, mas é sua fotografia em negativo, revelando apenas aquilo que é nela uma potência de morte. Tal arte expressa acima de tudo a ausência, a frustração de uma sociedade positivista onde reina, dominador, o sistema tecnológico no qual a crítica de arte se torna um discurso imaginativo em estado puro. E por imaginar-se livre de todo condicionamento, sentindo-se capaz de ultrapassar todo limite, o artista abre mão de toda referência exterior, rompe com a tradição e… mergulha no vazio. Cada tendência artística age como quem se sente obrigado a partir do zero, como se o homem fosse seu próprio Criador. Natural que essa ausência de continuidade gera a angústia que leva ao ceticismo ou ao desespero.

Enquanto isso, garante-nos o salmista, “os céus narram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 19, 1). Se o homem se detivesse a contemplar a poesia do Cosmo, encontraria o caminho de volta para o Poeta (do grego poietès) e Fabricante. Atrás da perfeição visível das criaturas, pulsa a perfeição invisível de seu Criador. Assim, o artista deveria ser acima de tudo um interrogador do mundo, em reverente contemplação, à espera de um sinal que aponte para a Fonte da beleza.

Arte: em busca da Fonte

São João da Cruz, místico e poeta, Obras Completas, Petrópolis, Vozes, 2002, bem intuiu a presença dessa Fonte no conhecido poema escrito no cárcere de Toledo, em 1578:

“Aquela eterna fonte está escondida,

Mas bem sei onde tem sua guarida,

mesmo de noite.

Sua origem não a sei, pois não a tem,

Mas sei que toda origem dela vem

mesmo de noite.

Sei que não pode haver coisa tão bela,

E que os céus e a terra bebem dela,

mesmo de noite. […]

Aquela eterna fonte está escondida,

Neste pão vivo para dar-nos vida,

mesmo de noite.

De lá está chamando as criaturas,

Que nela se saciam às escuras,

mesmo de noite.

Aquela viva fonte que desejo,

Neste pão de vida já a vejo,

mesmo de noite”.

Arte: em busca da Fonte

Séculos antes, Santo Agostinho experimentara a mesma condição, inquisidor das criaturas em busca do Criador:

“Quem é este Deus a quem amo? Perguntei à terra, e esta me respondeu: ‘Não sou eu’. E tudo o que nela existe me respondeu a mesma coisa.

Interroguei o mar, os abismos e os seres vivos, e todos me responderam: ‘Não somos nós o teu Deus; busca-o acima de nós’.

Perguntei aos ventos que sopram, e toda a atmosfera com seus habitantes me responderam: ‘Anaxímenes está enganado; não somos teu Deus’.

Interroguei o céu, o sol, a lua e as estrelas: ‘Nós também não somos o Deus que procuras’.

Pedi a todos os seres que me rodeiam o corpo: ‘Falai-me do meu Deus, já que não sois o meu Deus; dizei-me ao menos alguma coisa sobre ele’.

E exclamaram em alta voz: ‘Foi ele quem nos criou’.

Para interrogá-los, eu os contemplava, e sua resposta era a sua beleza”.

Em suma, toda arte se refere à Beleza. Ou emite suas centelhas luminosas, revelando-a, ou chora a escuridão de sua ausência. E ninguém foi mais claro que Maurice Zundel, teólogo, escritor, místico e poeta, ao afirmar:

“Deus é a origem de toda Beleza… O essencial está em se recolher. O essencial é escutar. O essencial é se maravilhar, pois quando nos maravilhamos, quando admiramos, necessariamente nos esquecemos de nós mesmos, ficamos suspensos na Beleza de Deus, rejubilamo-nos com sua presença e nos perdemos em seu Amor”.

Ninguém deve admirar-se, pois, de que uma renovação no campo litúrgico seja praticamente impossível sem a simultânea renovação no campo da arte. Como sempre, culto e cultura caminharão de braços dados…

Comentários
  • Marcelo/Magé – RJ 5552 dias atrás

    Olá Santini.

    Deus o abençoe

    Gostei muito do texto, é muito importante para estudantes da área, e principalmente cristãos, não perderem o foco na realização de trabalhos futuros. Penso que como você mesmo relatou, uma sociedade que experimenta uma decadência moral ou espiritual traduz em seu fazer artístico um grande vazio. Sem sentido as obras de arte se fundamentam basicamente em conceitos herméticos. Temos que voltar a fonte de toda inspiração criativa. Obrigado por mais uma vez nos direcionar com suas sábias palavras.

    Marcelo

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