Antigamente: tradição e mito

Publicado por Antonio Carlos Santini 28 de novembro de 2023
Igreja São José Belo Horizonte
Igreja São José Belo Horizonte
Igreja São José – Belo Horizonte

Aqui e ali, ouço vozes defendendo a Tradição. No fundo, querem depreciar o Concílio Vaticano II, como se esta reunião conciliar fosse um bulldozer em processo de demolição de legítimas tradições de Igreja.

Sempre aparece o advérbio “antigamente”, como se esta circunstância de tempo fosse o selo de qualidade de alguma coisa, procedimento ou rito.

Ora, ANTIGAMENTE muda de tempos em tempos. Antigamente, século I, os cristãos de Jerusalém só celebravam a missa em casas de família.

ANTIGAMENTE, século II, os cristãos de Roma celebravam a missa em catacumbas, galerias subterrâneas, onde estavam a salvo da perseguição do Império. Usavam muito incenso para neutralizar o mau cheiro das cloacas.

ANTIGAMENTE, 1950, os católicos do Brasil assistiam de modo passivo, como no cinema, à Santa Missa rezada em latim, com o padre de costas para o povo. Durante a missa, as mulheres mais piedosas rezavam o Rosário, indiferentes ao que ocorria no altar. Na hora da “prática”, era o nome da atual homilia, os homens saíam todos para fumar lá fora. Os coroinhas respondiam em latim, sem a mínima noção do que estavam dizendo:

– Dominus vobiscum!

– Seu pai tá arisco!

Nas bênçãos do Santíssimo, os moleques traduziam:

– Omne delectamentum in se habentem!

– Home atrás da venda inté rebenta!

ANTIGAMENTE, 1961, eu estava na Igreja de São José, no centro de Belo Horizonte, para a missa do Domingo de Páscoa. Na hora da elevação da hóstia consagrada, Consagração, uma banda militar explodiu com o Hino Nacional, que os funkeiros agora chamam de Elvira do Ipiranga. Ao mesmo tempo, ao lado da igreja, onde hoje funciona hoje um estacionamento, pipocaram três assustadoras salvas de canhão. Pelo que se vê, este era o brilhantismo litúrgico da imaginada “Tradição” anterior ao Vaticano II.

Aliás, era costume cantar a Ave-Maria de Gounod durante a apresentação das oferendas, Ofertório, demonstrando total indiferença ou ignorância pela função litúrgica daquele momento. A tradição musical consistia em deixar um coral cantando peças escolhidas por sua “boniteza”, enquanto o povo apenas ouvia.

Só depois do Vaticano II surgiram as primeiras experiências de “missa participada”, com a Assembleia convidada a participar e dialogar com o sacerdote. Até então, raros fiéis possuíam um missal bilingue latim-português, aliás caríssimo e fora do alcance do povo pobre.

Em suma, quando os tradicionalistas falarem em “Tradição”, seria bom verificar a época de tal tradição e o contexto histórico e cultural em que ela acontecia de fato.

Em tempo: sou bastante conservador. Toda manhã, rezo Laudes no antigo breviário em latim. Sou tão conservador, que acolho todos os mistérios de fé do Símbolo dos Apóstolos, o Credo, e considero o atual Catecismo da Igreja Católica uma obra-prima da Tradição, com suas referências bíblicas, citações patrísticas, ensinamentos dos santos e dos antigos concílios da Igreja. Sou tão tradicionalista, que considero o Papa como aquilo que ele é: um Pai…

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