Limpeza Urbana em Belo Horizonte: Tecnologia e Inclusão – parte 1

Publicado por Fátima Abreu 14 de julho de 2009

Breve histórico
Belo Horizonte, primeira cidade planejada do Brasil, prevista para abrigar trezentos mil habitantes, teve a higiene e a salubridade incluídas como requisitos fundamentais. Sua história é marcada por pioneirismo na busca da destinação adequada para o lixo. Para o tratamento do lixo, foi instalado um forno de incineração, cujo funcionamento se deu desde a fundação da cidade até o ano de 1930.

A preocupação com a melhoria do padrão de limpeza da capital, aliada ao crescimento da população e ao conseqüente aumento da quantidade de resíduos descartados exigiu a incorporação de novos recursos para o tratamento do lixo. O forno de incineração foi, então, desativado, entrando em funcionamento cem celas de fermentação do sistema “Beccari”, Salienta-se a adoção de tecnologia de ponta no tratamento do lixo, na capital mineira. O sistema de fermentação do lixo em celas foi desenvolvido pelo florentino Giovani Beccari, em 1922, e, já em 1929, era implantado em Belo Horizonte.

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Ao longo da década de 60, as celas “Beccari” foram desativadas e a maior parte dos resíduos coletados era depositada, a céu aberto, no Vazadouro Morro das Pedras. Nesse local, conhecido popularmente como “Boca do Lixo”, mais de 300 pessoas moravam em condições sub-humanas, sobrevivendo da catação das sobras. No período das chuvas, nos anos de 1971 e 1972, ocorreram dois trágicos deslizamentos na “Boca do Lixo”, ambos com vítimas fatais, gerando péssima repercussão quanto ao processo de degradação da cidade.

Em 1972, retoma-se a orientação de gestão adequada dos resíduos, com a elaboração do Primeiro Plano Diretor de Limpeza Urbana de Belo Horizonte. A cidade se destaca, mais uma vez, no cenário nacional, com a implantação, a partir de 1975, do Aterro Sanitário, para a destinação final da maior parte dos resíduos urbanos, e da Usina de Triagem e Compostagem, que permitia o reaproveitamento de pequena parte dos recicláveis e da matéria orgânica. O Plano também reservou outra área para aterro sanitário no município, buscando prevenir dificuldades futuras para a identificação de locais no município para esse uso. Posteriormente, a área de Capitão Eduardo, que havia sido desapropriada para aterro, foi utilizada para implantação de um conjunto habitacional, deixando o município sem opção de local para disposição dos seus resíduos urbanos, que são destinados, atualmente, para um aterro sanitário no município de Sabará.

No início da década de 90, o lixo urbano já era reconhecido, mundialmente, como um dos mais graves problemas ambientais da atualidade, não só por seu alto potencial poluidor dos solos, da água e do ar, mas, também, pela sua relação com o esgotamento dos recursos naturais. Com o lançamento de novos produtos no mercado e a publicidade se incumbindo de “criar” necessidades, foi gerado um sistema de produção e consumo indutor de desperdícios, com a substituição massificada de produtos duráveis por outros, descartáveis ou com vida útil muito curta. A cultura do desperdício no Brasil contrapõe-se, em especial nas grandes cidades, como Belo Horizonte, à situação de miséria de parte da população que tem como única fonte de sobrevivência e geração de renda a catação de alimentos e de outros materiais do lixo. Outros problemas das grandes cidades, incluindo Belo Horizonte, são o saturamento da capacidade das áreas existentes para aterramento dos resíduos e as dificuldades para identificação de novas áreas para essa finalidade.

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A gestão de resíduos é, portanto, um problema de grande complexidade, que diz respeito à sociedade, como um todo. É, certamente, o serviço público que mais depende do envolvimento das pessoas, desde a sua geração, acondicionamento, coleta, triagem, beneficiamento, reaproveitamento, tratamento e destino final. Em 1993, entretanto, observava-se, em Belo Horizonte, total alheamento da sociedade em relação aos problemas relacionados ao lixo urbano, uma atitude individualista das pessoas em relação ao lixo, assumindo-o como problema seu apenas nos limites do seu espaço privado.

Novo modelo a partir de 1993
A partir de 1993, a Superintendência de Limpeza Urbana – SLU iniciou a implementação do Modelo de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos de Belo Horizonte, pelo qual foi reconhecida, nacional e internacionalmente, tendo recebido vários prêmios. Em 1996, o trabalho foi premiado, com destaque, pelo Programa “Gestão Pública e Cidadania”, das Fundações Getúlio Vargas e Ford. Em função dessa premiação, a SLU foi convidada a apresentar o trabalho e a participar de evento de comemoração de 10 anos de programa análogo, nos Estados Unidos da América, promovido pela Fundação Ford, em parceria com a Escola de Governo John Kennedy, da Universidade de Harvard.

Nesse novo modelo, destacaram-se inovações tecnológicas, com ênfase à segregação dos resíduos na fonte e à coleta seletiva, visando ao máximo reaproveitamento e à reciclagem dos resíduos sólidos. Foram implantados três programas de reciclagem: Compostagem simplificada dos resíduos orgânicos (restos de alimentos, podas e capina), Reciclagem dos resíduos da construção civil (entulho) e Coleta Seletiva dos materiais recicláveis (papel, metal, vidro e plástico). Esses programas, além de possibilitarem a redução de materiais que seriam encaminhados ao aterro sanitário, poupando sua vida útil, que já estava próxima de se esgotar, propiciavam economias de recursos naturais e energéticos e ainda viabilizavam a geração de trabalho e renda.

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A compostagem simplificada foi adotada após a decisão de se paralisar a Usina de Triagem e Compostagem, que já se encontrava obsoleta. O novo processo passou a ser feito com os resíduos orgânicos coletados, seletivamente, em mercados, feiras e sacolões, junto com os materiais oriundos de podas e capinas, e propiciou a produção de um composto de qualidade significativamente superior ao que era produzido na usina. Antes, o composto era feito a partir do material coletado, misturado e triado posteriormente na usina. A separação não conseguia eliminar a contaminação por cacos de vidro, pilhas, etc., e, além disso, o processo não tinha o devido controle operacional. O composto resultante, de baixa qualidade, era usado em canteiros centrais e jardins e causava incômodo à população pelo mau cheiro. No novo sistema, o composto gerado a partir da matéria orgânica limpa e com rigoroso controle de qualidade passou a ser usado como insumo, em hortas comunitárias e escolares.

O programa de reciclagem do entulho da construção civil, com a implantação de unidades de reciclagem em locais de maior geração desse tipo de resíduos na cidade, propiciou economia para a prefeitura, com a utilização do entulho reciclado em obras de pavimentação, de manutenção de vias públicas e de construção civil. Permitiu, ainda, a correção da disposição irregular de entulho pela malha urbana. Em estudo realizado em 1993, foram identificadas 134 áreas de deposição clandestina na cidade, gerando graves problemas para o município e despesas adicionais para o serviço de limpeza urbana.

A Coleta Seletiva dos materiais recicláveis também apresentava desafios tecnológicos, já que havia poucas experiências no País e Belo Horizonte se propôs a buscar alternativas que viabilizassem a redução dos altos custos praticados em outros municípios, além do compromisso de incorporar, efetivamente, a parceria com os catadores, que trabalhavam, de maneira informal e extremamente precária, nas ruas da cidade.

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Ainda no que se refere à inovação tecnológica, foi promovido o aprimoramento dos serviços prestados, com adequação e inovação de equipamentos e instalações e ampliação do atendimento, contemplando áreas excluídas ou mal atendidas. Uma solução criativa permitiu a ampliação dos serviços de coleta domiciliar em vilas e favelas, com a utilização de veículos especiais menores, que viabilizaram o acesso às vias estreitas, em geral com pavimentação irregular e com acentuada declividade.

Outra invenção do novo sistema de limpeza urbana foi a criação e instalação de 100 micro pontos de apoio à varrição na área central, pequenas instalações, do porte de uma banca de revistas, o que permitiu que os garis passassem a ter um local para trocar de roupas, fazer uso de sanitários, tomar banho após a jornada de trabalho nas ruas e, também, para aquecer suas marmitas. Antes, esses trabalhadores eram obrigados a pedir para usar banheiros em bares e outros estabelecimentos e a fazer suas refeições em praças ou na beira de calçadas, sob viadutos, já que era muito difícil encontrar áreas disponíveis para a construção de pontos tradicionais de apoio à varrição, no centro da cidade.

Apesar de tantas novidades tecnológicas, o que mais se destacou no novo modelo de gestão de resíduos instituído em 1993 foi a incorporação, de forma intensiva e sistemática, de componentes de caráter social e ambiental. Para isso, foi instituído um processo revolucionário de mobilização e participação social no sistema de limpeza urbana, até então com uma atuação estritamente técnico-operacional.

– Fotos  cedidas pelo “Centro de Memória e Pesquisa da Superintendência da Limpeza Urbana da Prefeitura de Belo Horizonte – CEMP/SLU-PBH

Comentários
  • Gabriel Faustino Pereira 3516 dias atrás

    Texto perfeito para meu trabalho,Parabens editora !

  • Gabriel 3516 dias atrás

    Texto perfeito para um trabalho,Parabens editora !

  • Jair Alves Martins 3691 dias atrás

    Tudo o que consta do contexto acima é muito bonito, mas trata-se de historia, não resolve o problema do lixo da cidade de Belo Horizonte e de seu entorno. Parece que as autoridades encarregadas do problema lixo na capital não sabem como resolver o problema do LIXO. Cansado de indicar a solução definitiva, sem que nada fizessem, não falo mais do assunto.
    Estou tentando arregimentar empresas e investidores para montar através de iniciativa privada o sistema por mim idealizado “LIXO 30 HORAS” ,que vai fazer desaparecer neste prazo todo o lixo gerado na capital e seu entorno sem utilização de aterros, lixões, depósitos, etc .okey?

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