O outono brasileiro – parte 2 – A revolução política

Publicado por Nádia Campos 28 de junho de 2013

Na parte anterior levantei algumas perguntas, dentre elas: o que é este movimento?

É a insurgência de Indignados com o atual sistema político e suas falhas que são aberrantes. Em que se baseia o sistema atual? Em eleições municipais, estaduais e federais de quatro em quatro anos, quando os cidadãos maiores de 16 anos têm o direito de votar e os maiores de 18 o dever de votar no candidato de sua preferência, anular seu voto ou justificar sua ausência. Os candidatos devem pertencer a algum partido político. No caso do legislativo a contagem de votos depende do resultado da divisão dos votos totais do partido pelo coeficiente eleitoral que é o resultado da divisão de votos válidos pelo número de vagas. O meio mais comum das pessoas conhecerem este “fulano de tal” e suas “propostas” são os programas de televisão e de rádio, em que o tempo deles varia muito de partido para partido, tendo mais tempo aqueles partidos com maiores coligações.

No caso do Brasil a polaridade maior fica entre PT e PSDB. Durante a campanha eleitoral é muito comum ver fotos dos candidatos, com um típico sorriso rasgado, espalhados por todo lado. Uma poluição visual tremenda. Observei que na última eleição muitos destes cartazes ganharam uma bola vermelha no nariz. Além da poluição visual, a sonora e a lixaiada que fica esparramada por todo lado, deixando grande parte da população aborrecida. Como disse o escritor Eduardo Galeano, a juventude latino-americana fica abismada vendo estes congressos parecendo circos de péssima qualidade. O que para congressistas deve gerar um sorriso cínico, acaba saindo muito caro para os cofres públicos e claro, para nossas vidas, pois a engrenagem que faz o país crescer se move com a força do trabalho das pessoas. Então é claro que queremos o retorno desta riqueza na qualidade de nossas vidas!

Voltando às perguntas do primeiro capítulo: quem é o líder deste movimento?

Até agora não apareceu nenhuma cabeça mentora de tanta gente na rua. E para quem tinha na cabeça que todo movimento tinha que ter um Che Guevara da vida, ficou uma indagação no ar. Vejo esta descentralização como algo muito positivo. Mostra que não somos rebanho ou parte de uma pirâmide, mas estamos despertando o líder interior de cada um de nós, tecendo uma REDE que se estende, se apoia e se multiplica embasada em valores de paz e SOLIDARIEDADE. Estamos conectados com um acesso à informação cada vez mais veloz e amplo. VOCÊ é outro EU e EU SOU outro VOCÊ. Isso é o novo paradigma, a nova consciência que precisa se manifestar nos planos da vida prática.

Revindicar é importante, mas agora é momento também de propor e construir. A maturidade deste movimento se dá quando pensamos em como chegar lá. De repente esta gama de advogados recém-formados poderia ajudar a defender os interesses comuns para conduzir o processo jurídico que garanta a REFORMA POLÍTICA que o país necessita com urgência. Já que estes políticos “cara de outdoor” não nos representam, como seria? Como o país poderia se organizar?

Acredito que a descentralização é essencial. Mecanismos eficientes para a sociedade se organizar, ter voz e poder de decisão. Os salários do poder legislativo poderiam ser bem simbólicos, como em alguns países europeus. Com salários mais baixos e o fim das regalias, existiria mais probabilidade de serem atraídas a se candidatar pessoas com maior vocação e índole coletiva. Se estes parlamentares e também os servidores do poder executivo vivessem uma vida mais próxima da vida do cidadão comum, eles teriam maiores benefícios no seu desenvolvimento humano pessoal, afinal, os políticos deveriam sentir que realmente são servidores do povo. APENAS deveriam assumir cargos públicos pessoas vocacionadas e com capacidade técnica.

A reforma política brasileira será a base para tantas outras necessárias, afinal assim como nós indivíduos, o sistema e os governantes precisam ser éticos, verdadeiros e transparentes desde a intenção interior para que o processo evolutivo aconteça.

Comentários
  • Editor 3952 dias atrás

    By Edictor:
    Here the same article by Juan Arias in english
    Why Brazil and why now?
    By Juan Arias

    The sudden crisis in Brazil has generated perplexity both inside and outside the country due to the emergence of street protests which began in the rich cities of São Paulo and Rio de Janeiro and which are now extending across the entire country, including to Brazilians living abroad.
    For now, there are more questions about what is going on, which must be understood, than there are answers. So far there is only a relative consensus that Brazil, internationally envied, is going through a kind of schizophrenia or paradox that is yet to be properly analyzed and explained.
    Let’s begin with some of the questions being asked:
    Why is there now a movement of protests like those that have long existed in other countries around the world, when for ten years now Brazil has lived semi anesthetized by their shared success and worldwide applauses?
    Is Brazil worse today than it was ten years ago? No, it is better. It’s richer at least, with fewer poor and a growing wealthy community. It is more democratic and less unequal.
    How do you explain then the fact that President Dilma Rousseff with an approval rating of 75%, a persona that has exceeded the hugely popular Lula, can be repeatedly booed at the opening of the Confederations Cup in Brasilia by nearly 80,000 middle class spectators who gave themselves the luxury of paying up to $ 400 a ticket?
    Why do protestors march onto the streets because of the high prices charged for public transport, if most of them are youths that do not normally use such means of transportation because they already own a car, something that was unimaginable ten years ago?

    Why are students protesting if they come from families that until recently had never even dreamed of seeing their kids step foot onto a college faculty?

    Why does the C middle class, who have risen out of poverty and for first time are able to buy a refrigerator, a washing machine, a TV, and even a motorcycle or a used car, support the protesters?

    Why is Brazil, immensely proud of their soccer fields, now seem to be against the World Cup to the point of disrupting the inauguration of the Confederations Cup with a demonstration that incurred injuries, arrests and struck fear in the fans who went to the stadium that day?

    Why these protests, sometimes violent even, in a country envied by the United States and Europe for its almost zero unemployment rate?
    Why these protests in the slums, where the inhabitants have doubled their income and regained the peace that drug trafficking had stolen from them?

    Why suddenly have native Indian nations risen so strongly if they own 13% of the national territory and always have the courts on the side of their claims?

    Do you think maybe the Brazilians are being ungrateful to the ones who have improved their lives?

    The answers to all these questions being pronounced at an alarming rate, starting with the politicians, a mixture of perplexity and amazement, could be summarized in but a few questions.

    Firstly, it could be said that, paradoxically, is the fault of those who gave the poor the minimum of dignity; a not so miserable income, the possibility of having a bank account and access to monetary credit in order to acquire what has always been but a dream to them (appliances, a motorcycle, a car).

    Perhaps the paradox is the following: to have put the children of the poor in schools, where their parents and grandparents were not; to have allowed this country’s youths, all of them, whites, blacks, Indians, poor or not, to enroll in a college university; to have given access to free healthcare; to have released Brazilians from the old “turn of the can mutt” complex; to have achieved everything that made Brazil a quasi first world country in the first place.

    The poor, having been promoted to the new middle class soon became well aware of having taken a leap up the sphere of consumption and now want more. They want, for example, first world public services, which today are nowhere to be found; they want schools that do not just receive students, but offer quality teaching; they do not want politicized, ideologized or bureaucratic universities. They want modern, dynamic universities that will prepare them for their future careers.

    They want hospitals where their dignity is left intact, without months of waiting lines, no inhumane queues, and where they are treated like human beings. They don’t want twenty-five newborns to die in fifteen days in a hospital in Belém, Pará

    And they want above all what is still lacking politically: a more mature democracy, where the police do not go on acting like they’re part of a dictatorship; political parties that are not, as Lula phrased it, a “deal” to get rich; they want a democracy where there is an opposition capable of monitoring the power.

    They want less corrupt politicians; they want less squandering in the construction sites which they consider downright useless when there are still eight million homeless families; they want a justice system with less impunity; they want a society that is less abysmal in its social differences; they want to see corrupt politicians put in jail.

    Are they asking for the impossible? No. Unlike the movements of 1968, which aimed to change the world, Brazilians, dissatisfied with what they have achieved so far, want public services that are up to par with that of first world countries. They want a better Brazil. That’s all!

    They simply want what they were to be taught to aspire for in order to be happier or less unhappy than they have been in the past.

    I have heard some people say, “But what more do these people want?” The question reminds me of some families who gave everything to their children and afterward, they said, still rebel.

    Sometimes parents forget that this “everything” lacked something that is essential to youths: attention, concern for what they want and not the things that are being offered. They not only need to be helped and protected, to have their hand held, but they want to learn to be protagonists.

    And the young Brazilians, who have grown and become aware not only of what they already have, but what they can still achieve, are lacking precisely the opportunity to be more protagonist in their own history, especially as they reveal themselves to be immensely creative.

    Yes, let them do so, but without using violence, which there is already too much of in this wonderful country that always preferred peace over war. May they not allow themselves to be fooled by politicians who would try to hitch a ride on the protest horse, to empty it of content.

    Yesterday I read a poster: “País mudo é um país que não muda” meaning: a deaf country is a country that does not change. And also, directed at the police: “Do not shoot against my dreams.” Can anyone deny a youth the right to dream?

  • milton 3954 dias atrás

    Envio entrevista com Marcos Nobre
    Marcos Nobre, filósofo e professor da Unicamp – entrevista por Leonardo Cazes
    Publicado em globo.com – Prosa – 29.06.2013
    Marcos Nobre: a crise de um sistema político fechado em si
    Para o filósofo Marcos Nobre, convidado da Flip, as manifestações pelo Brasil colocam em xeque o ‘peemedebismo’, como ele chama a blindagem contra a influência das forças sociais de transformação
    O filósofo e professor da Unicamp Marcos Nobre conta que passou 10 dias sem dormir para escrever o e-book “Choque de democracia: razões da revolta”, lançado na quinta-feira e que marca a estreia do selo Breve Companhia, da editora Companhia das Letras, exclusivamente digital e dedicado a textos curtos de ficção e não ficção. O ensaio é uma interpretação sobre os protestos que varrem o país desde 13 de junho e suas consequências para a política e a sociedade brasileira. Em entrevista ao GLOBO, Nobre — que estará na Flip — explica o que chama de “peemedebismo”, a forma encontrada pelo sistema político de se blindar contra as forças sociais e cujo primeiro arranjo já apareceu na Constituinte. O termo foi cunhado em 2009 e é a chave do livro que Nobre terminava de escrever quando foi atropelado pelos acontecimentos. Na sua opinião, há uma necessidade inequívoca de se aprofundar a democracia brasileira.
    Qual sua avaliação do movimento que tomou as ruas do país desde o início do mês?
    Algumas coisas já se sedimentaram no debate público: o movimento não tem uma pauta única, não tem um centro único de organização. São muitas pautas, muitos centros, as redes sociais são muito importantes. As pessoas olham isso e falam: não estamos entendendo. É claro! Se você pegar os movimentos de massa do Brasil, as Diretas ou o impeachment do Collor, havia uma espécie de unidade forçada. Os diferentes grupos abriam mão de suas diferenças para combater um inimigo comum. Agora não existe essa unidade forçada. Não é uma frente com objetivo único. Então, dizem que é desorganizado, mas, na verdade, o que ele não tem é essa unidade forçada. É um movimento inteiramente novo. Qual é o traço de união que ele possui? Para mim, todos esses movimentos são contra o sistema político que se blinda contra as forças sociais. Veja o que aconteceu desde o impeachment do Collor. Primeiro, derrubou-se um presidente. Depois, quando houve a batalha campal entre os senadores Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, os dois renunciaram aos mandatos. Aí vem o mensalão, em 2005, com vários deputados processados e dois cassados. Em 2007, a coisa começa a mudar. Mesmo com aquela pressão toda sobre Renan Calheiros, ele renunciou à presidência do Senado, mas não ao cargo de senador. Quando vem o José Sarney, em 2009, há a série de denúncias dos atos secretos e ele não perde o mandato nem a presidência do Senado. Claramente existe um fechamento do sistema político em relação a insatisfação da sociedade. Esse processo não ocorreu de um dia para o outro. Ele começa no impeachment, que foi um momento traumático para o sistema político.
    Mas o impeachment não foi possível porque Collor mantinha uma base frágil no Congresso Nacional?
    Esse foi o peixe que o sistema político vendeu para a sociedade: Collor caiu porque não tinha uma supermaioria no Congresso. O mito da necessidade de uma supermaioria foi a maneira de o sistema político se blindar para continuar funcionando do mesmo jeito de sempre. Esse fechamento em si mesmo é o que chamo de “peemedebismo”, em homenagem ao partido que criou essa figura na década de 1980 para frear as forças sociais na Constituinte. É a própria ideologia do sistema político fechado em si mesmo que cria esse mito da supermaioria. E aí a gente trava, não avança.
    Quais são as origens históricas do “peemedebismo”?
    O primeiro ensaio do “peemedebismo” se dá na Constituinte. A transição brasileira foi um pacto de elites, um dos maiores apoiadores da ditadura se tornou o primeiro presidente civil. De repente, esse sistema político se vê diante de uma quantidade gigantesca de forças sociais organizadas. Nunca houve tanta participação popular no Brasil quanto na Constituinte. Então, é criado um sistema de filtragem e barragem da pressão popular. Como isso foi feito? As forças sociais eram muitas e diversas, não tinham uma unidade ou um partido que as representassem. Nesse contexto, o “centrão” da Constituinte é fundamental. Primeiro ele enfatiza a fragmentação dos movimentos, ao negociar individualmente com cada um, para impedir a formação de uma unidade. Depois ele diz: tudo bem, vamos aceitar todas essas demandas, mas todas vão precisar ser regulamentadas. Assim, o sistema político retoma para si a efetivação da Constituição. Essa é a primeira figura do “peemedebismo”, embora sem a tecnologia de administração de interesses conflitantes que será desenvolvida nos anos 1990. O “condomínio peemedebista” está no poder há duas décadas. Não é à toa que todos os partidos no Brasil querem ser o PMDB, e por isso são tão irrelevantes enquanto partidos. Na hora de defender os interesses para valer, o que se forma no Congresso são bancadas suprapartidárias, como a ruralista, a religiosa.
    Contudo, quando Lula assume em 2003, ele não faz uma aliança com o PMDB.
    É o meu contraexemplo. O Lula assume com um programa “antipeemedebista”, porque o PT foi concentrando as forças populares de transformação. No momento em que o Lula vai para o segundo turno em 1989 contra o Collor, as forças sociais vão se aglutinando em torno do PT. Isso permitiu que o PT virasse o PT, porque o Lula foi para o segundo turno só com 16,8% dos votos. Então, ele assume o poder em 2003 com dois mandatos: reformar radicalmente o sistema político e reduzir todas as formas de desigualdade. Aí vem o mensalão e todo mundo diz que sem supermaioria ele corre risco de impeachment. O sistema político chantageia o tempo inteiro com a supermaioria. Só em 2005 Lula faz o pacto com o “peemedebismo”, que é o mesmo modelo de acomodação de interesses do governo Fernando Henrique. No primeiro momento ele recusou essa lógica, mas depois aceitou e foi além. Porque o Lula construiu uma tal supermaioria que aniquilou a oposição. Por que faz isso? Porque, no fundo, o PSDB também é um partido “peemedebista”. Aqueles quadros do governo Fernando Henrique, principalmente na economia, são o que eu chamo de “cordão sanitário”. O acordo foi: nas áreas estratégicas, como a Fazenda e o Banco Central, vocês não podem mexer, mas ficam com todo o resto. No fundo, o “peemedebismo” significa que se você se organizar e tiver peso eleitoral suficiente você ganha um quinhão correspondente no Estado onde você vai instalar a sua máquina e se reproduzir. Ao mesmo tempo, você ganha um poder de veto contra qualquer assunto que vá contra os seus interesses. As mudanças promovidas pelo governo Lula, como aumento do salário mínimo, a reforma do crédito e o Bolsa Família, foram feitas porque não encontraram vetos no sistema político. Enquanto o PT estava na oposição havia uma força política organizada que dizia que o “peemedebismo” não era algo normal. Quando o Lula faz o pacto, há uma naturalização do “peemedebismo”.
    A reforma política seria a saída para superar essa crise do “peemedebismo”?
    O que se abre com esse movimento é a possibilidade de formação de uma frente antipeemedebista para reorganizar a política institucional. Se isso vai acontecer ou não é outro problema. A reforma do sistema político não tem nada a ver com reforma política. A reforma política que querem fazer é uma reforma eleitoral, que é importante, mas é só parte da história. A ideia de que você vai fazer uma reforma eleitoral e vai resolver todos os problemas do sistema político é um tanto ilusória. As manifestações em si mesmas são muito positivas porque já mudaram a cultura política do país, reorganizaram forças sociais e mostraram que o sistema político está em descompasso com a sociedade. Esses protestos também dizem que não dá para continuar com um sistema político encastelado no Estado, que trava as transformações. Um sistema “peemedebista” polarizado é uma desgraça, mas pelo menos tem dois polos. Um sistema político “peemedebista” que só tenha um condutor faz com que a oposição migre para dentro do governo. Quem nasceu em 1995 nunca viu inflação e nunca viu um debate político polarizado. Então como você faz formação democrática de uma geração desse jeito? É uma tragédia para o país.
    Essa crise do “peemedebismo” também é uma crise do lulismo?
    A sociedade já está em um novo modelo e o sistema político ainda não. É o modelo que eu chamo de social-desenvolvimentismo, por oposição ao nacional-desenvolvimentismo que houve no país entre as décadas de 1930 e 1980. O resultado desse processo histórico, iniciado no governo Fernando Henrique, é ambíguo porque é ligado à democracia e coloca a necessidade de reduzir a desigualdade no seu centro, mas foi conquistado a duras penas em uma aliança com o “peemedebismo”. O lulismo é uma figura do “peemedebismo”, um acordo novo que elimina a oposição, ao mesmo tempo em que é também uma figura desse social-desenvolvimentismo. As ruas estão dizendo que houve enormes avanços sociais, mas que, agora, ou se aprofunda a democracia ou não vai dar. Uma das características fundamentais desse movimento é a velocidade e a intensidade. É incrível como tudo muda de um dia para o outro. O sistema político ficou completamente desarmado. Os políticos ficaram 20 anos se blindando contra as ruas e aí vêm as ruas e passam por cima deles. Além do Movimento Passe Livre, os comitês populares da Copa foram fundamentais nas mobilizações. Eles não são ligados a nenhum partido e possuem uma independência e autonomia que outros movimentos perderam. São forças que não fazem parte do consenso social-desenvolvimentista colocado pelo governo Lula, de que só havia uma única forma e um único ritmo possíveis para fazer as transformações.

  • sania 3954 dias atrás

    Transcrevo aqui esta entrevista em O Globo no dia 29/06/2013:
    Manuel Castells: ‘O povo não vai se cansar de protestar’
    Sociólogo afirma que ausência de líderes é uma das qualidades dos protestos no Brasil e diz que país vai influenciar países vizinhos
    Maurício Meireles
    Na rua está “a sociedade em sua diversidade”, diz Castells Luiz Munhoz/FatoPress/Folhapress/10-6-2013
    Para o sociólogo catalão Manuel Castells, boa parte dos políticos é de “burocratas preguiçosos”. Ele é um dos pensadores mais influentes do mundo, com suas análises sobre os efeitos da tecnologia na economia, na cultura e, principalmente, no ativismo. Conhecido por sua língua afiada, o espanhol falou ao GLOBO por e-mail sobre os protestos.
    Os protestos no Brasil não tinham líderes. Isso é uma qualidade ou um defeito?
    Claro que é uma qualidade. Não há cabeças para serem cortadas. Assim, as redes se espalham e alcançam novos espaços na internet e nas ruas. Não se trata, apenas, de redes na internet, mas redes presenciais.
    Como conseguir interlocução com as instituições sem líderes?
    Eles apresentam suas demandas no espaço público, e cabe às instituições estabelecer o diálogo. Uma comissão pode até ser eleita para encontrar o presidente, mas não líderes.
    Como explicar os protestos?
    É um movimento contra a corrupção e a arrogância dos políticos, em defesa da dignidade e dos direitos humanos — aí incluído o transporte. Os movimentos recentes colocam a dignidade e a democracia como meta, mais do que o combate à pobreza. É um protesto democrático e moral, como a maioria dos outros recentes.
    Por que o senhor disse que os protestos brasileiros são um “ponto de inflexão”?
    É a primeira vez que os brasileiros se manifestam fora dos canais tradicionais, como partidos e sindicatos. As pessoas cobram soberania política. É um movimento contra o monopólio do poder por parte de partidos altamente burocratizados. É, ainda, uma manifestação contra o crescimento econômico que não cuida da qualidade de vida nas cidades. No caso, o tema foi o transporte. Eles são contra a ideia do crescimento pelo crescimento, o mantra do neodesenvolvimentismo da América Latina, seja de direita, seja de esquerda. Como o Brasil costuma criar tendências, estamos em um ponto de inflexão não só para ele e o continente. A ideologia do crescimento, como solução para os problemas sociais, foi desmistificada.
    O que costuma mover esses protestos?
    O ultraje, causado pela desatenção dos políticos e burocratas do governo pelos problemas e desejos de seus cidadãos, que os elegem e pagam seus salários. O principal é que milhares de cidadãos se sentem fortalecidos agora.
    O senhor acha que eles podem ter sucesso sem uma pauta bem definida de pedidos?
    Acho inacreditável. Além de passarem por uma série de problemas urbanos, ainda se exige que eles façam o trabalho de profissional que deveria ser dos burocratas preguiçosos responsáveis pela bagunça nos serviços. Os cidadãos só apontam os problemas. Resolvê-los é trabalho para os políticos e técnicos pagos por eles para fazê-lo.
    Com organização horizontal, esse movimento pode durar?
    Vai durar para sempre na internet e na mente da população. E continuará nas ruas até que exigências sejam satisfeitas, enquanto os políticos tentarem ignorar o movimento, na esperança que o povo se canse. Ele não vai se cansar. No máximo, vai mudar a forma de protestar.
    Outra característica dos protestos eram bandeiras à esquerda e à direita do espectro político. Como isso é possível?
    O espaço público reúne a sociedade em sua diversidade. A direita, a esquerda, os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os piadistas, os revoltados — todo mundo. Anormal seriam legiões em ordem, organizadas por uma única bandeira e lideradas por burocratas partidários. É o caos criativo, não a ordem preestabelecida.
    Há uma crise da democracia representativa?
    Claro que há. A maior parte dos cidadãos do mundo não se sente representada por seu governo e parlamento. Partidos são universalmente desprezados pela maioria das pessoas. A culpa é dos políticos. Eles acreditam que seus cargos lhes pertencem, esquecendo que são pagos pelo povo. Boa parte, ainda que não a maioria, é corrupta, e as campanhas costumam ser financiadas ilegalmente no mundo inteiro. Democracia não é só votar de quatro em quatro anos nas bases de uma lei eleitoral trapaceira. As eleições viraram um mercado político, e o espaço público só é usado para debate nelas. O desejo de participação não é bem-vindo, e as redes sociais são vistas com desconfiança pelo establishment político.
    O senhor vê algo em comum entre os protestos no Brasil e na Turquia?
    Sim, a deterioração da qualidade de vida urbana sob o crescimento econômico irrestrito, que não dá atenção à vida dos cidadãos. Especuladores imobiliários e burocratas, normalmente corruptos, são os inimigos nos dois casos.
    Protestos convocados pela internet nunca tinham reunido tantas pessoas no Brasil. Qual a diferença entre a convocação que funciona e a que não tem sucesso?
    O meio não é a mensagem. Tudo depende do impacto que uma mensagem tem na consciência de muitas pessoas. As mídias sociais só permitem a distribuição viral de qualquer mensagem e o acompanhamento da ação coletiva.

  • Editor 3956 dias atrás

    Publicamos aqui o mesmo artigo de Juan Arias, mas no original publicado em “El País” em espanhol:

    “¿Por qué Brasil y ahora?
    Juan Arias
    Está generando perplejidad, dentro y fuera del país, la crisis creada repentinamente en Brasil por el surgir de las protestas callejeras, primero en las ricas urbes de São Paulo y Río, y ahora extendiéndose a todo el país e incluso a los brasileños en el exterior.
    Por el momento son más las preguntas para entender lo que está aconteciendo que las respuestas a las mismas. Existe solo un cierto consenso en que Brasil, envidiado hasta ahora internacionalmente, vive una especie de esquizofrenia o paradoja que aún debe ser analizada y explicada.
    Empecemos por algunas de las preguntas:
    ¿Por qué surge ahora un movimiento de protesta como los que ya están casi de vuelta en otros países del mundo, cuando durante diez años Brasil vivió como anestesiado por su éxito compartido y aplaudido mundialmente? ¿Brasil está peor hoy que hace diez años? No, está mejor. Por lo menos es más rico, tiene menos pobres y crecen los millonarios. Es más democrático y menos desigual.
    ¿Cómo se explica, entonces, que la presidenta Dilma Rousseff, con un consenso popular de un 75%, -un récord que llegó a superar al del popular Lula da Silva-, pueda ser abucheada repetidamente en la inauguración de la Copa de las Confederaciones, en Brasilia, por casi 80.000 aficionados de clase media que pudieron darse el lujo de pagar hasta 400 dólares por una entrada?
    ¿Por qué salen a la calle a protestar por la subida de precios de los transportes públicos jóvenes que normalmente no usan esos medios porque ya tienen coche, algo impensable hace diez años?
    ¿Por qué protestan estudiantes de familias que hasta hace poco no hubiesen soñado con ver a sus hijos pisar una universidad?
    ¿Por qué aplaude a los manifestantes la clase media C, llegada de la pobreza y que por vez primera en su vida han podido comprar una nevera, una lavadora, una televisión y hasta una moto o un coche de segunda mano?
    ¿Por qué Brasil, siempre orgulloso de su fútbol, parece estar ahora contra el Mundial, llegando a empañar la inauguración de la Copa de las Confederaciones con una manifestación que produjo heridos, detenciones y miedo en los aficionados que acudían al estadio?
    ¿Por qué esas protestas, incluso violentas, en un país envidiado hasta por Europa y Estados Unidos por su casi nulo desempleo?
    ¿Por qué se protesta en las favelas donde sus habitantes han visto duplicada su renta y recobrada la paz que les había robado el narcotráfico?
    ¿Por qué, de repente, se han levantado en pie de guerra los indígenas que poseen ya el 13% del territorio nacional y tienen al Supremo siempre al lado de sus reivindicaciones?
    ¿Es que los brasileños son desagradecidos a quiénes les han hecho mejorar?
    Las respuestas a todas esas preguntas que producen en tantos, empezando por los políticos, una especie de perplejidad y asombro, podrían resumirse en pocas cuestiones.
    En primer lugar se podría decir que, paradójicamente, la culpa es de quien les dio a los pobres un mínimo de dignidad: una renta no miserable, la posibilidad de tener una cuenta en el banco y acceso al crédito para poder adquirir lo que fue siempre un sueño para ellos (electrodomésticos, una moto o un coche).
    Quizás la paradoja se deba a eso: al haber colocado a los hijos de los pobres en la escuela, de la que no gozaron sus padres y abuelos; al haber permitido a los jóvenes, a todos, blancos, negros, indígenas, pobres o no, ingresar en la universidad; al haber dado para todos accesos gratuito a la sanidad; al haber librado a los brasileños del complejo antaño de culpa de “perros callejeros”; al haber conseguido todo aquello que convirtió a Brasil en solo 20 años en un país casi del primer mundo.
    Los pobres llegados a la nueva clase media han tomado conciencia de haber dado un salto cualitativo en la esfera del consumo y ahora quieren más. Quieren, por ejemplo, unos servicios públicos de primer mundo, que no lo son; quieren una escuela que además de acogerles les enseñe con calidad, que no existe; quieren una universidad no politizada, ideologizada o burocrática. La quieren moderna, viva, que les prepare para el trabajo futuro.
    Quieren hospitales con dignidad, sin meses de espera, sin colas inhumanas, donde sean tratados como personas. Quieren que no mueren 25 recién nacidos en 15 días en un hospital de Belem, en el Estado de Pará.
    Y quieren sobre todo lo que aún les falta políticamente: una democracia más madura, en la que la policía no siga actuando como en la dictadura; quieren partidos que no sean, en expresión de Lula, un “negocio” para enriquecerse; quieren una democracia donde exista una oposición capaz de vigilar al poder.
    Quieren políticos con menor carga de corrupción; quieren menos despilfarro en obras que consideran inútiles cuando aún faltan viviendas para ocho millones de familias; quieren una justicia con menor impunidad; quieren una sociedad menos abismal en sus diferencias sociales. Quieren ver en la cárcel a los políticos corruptos.
    ¿Quieren lo imposible? No. Al revés de los movimientos del 68, que querían cambiar el mundo, los brasileños insatisfechos con lo ya alcanzado quieren que los servicios públicos sean como los del primer mundo. Quieren un Brasil mejor. Nada más.
    Quieren en definitiva lo que se les ha enseñado a desear para ser más felices o menos infelices de lo que lo fueron en el pasado.
    He escuchado a algunos decir: “¿Pero qué más quiere esta gente?” La pregunta me recuerda la de algunas familias en las que después de dar todo a los hijos, según ellos, estos se rebelan igualmente.
    Se olvidan a veces los padres de que a ese todo le faltó algo que para el joven es esencial: atención, preocupación por lo que él desea y no por lo que a veces se le ofrece. Necesitan no solo ser ayudados y protegidos, llevados de la mano, quieren aprender a ser ellos protagonistas.
    Y a los jóvenes brasileños, que han crecido y tomado conciencia no solo de lo que tienen ya, sino de lo que aún pueden alcanzar, les está faltando justamente que les dejen ser más protagonistas de su propia historia, más aún cuando demuestran ser tremendamente creativos.
    Que lo hagan, eso sí, sin violencia añadida, que violencia ya le sobra a este maravilloso país que siempre prefirió la paz a la guerra. Y que no se dejen coptar por políticos que intentarán montarse sobre su caballo de protesta, para vaciarla de contenido
    En una pancarta se leía ayer: “País mudo es un país que no muda”. Y también, dirigido a la policía: “No disparéis contra mis sueños”. ¿Alguien puede negar a un joven el derecho a soñar?.”

  • Editor 3956 dias atrás

    Postamos aqui um artigo sobre o tema, do jornalista espanhol Juan Arias, que mantém um blog no jornal “El País”

    “Por que o Brasil e agora?
    Juan Arias

    Está gerando perplexidade, dentro e fora do país, a repentina crise nascida no Brasil pelo surgimento de protestos nas ruas, primeiro nas cidades ricas de São Paulo e Rio, e agora se-estendendo ao país todo, incluindo brasileiros residentes no exterior.
    Por enquanto, são mais as perguntas para entender o que está acontecendo do que as respostas para elas. Só existe um relativo consenso de que o Brasil, invejado até agora internacionalmente, está vivendo uma espécie de esquizofrenia ou paradoxo que ainda deve ser analisado e explicado.
    Vamos começar por algumas das perguntas:
    Por que surge agora um movimento de protestos como os que já existem há muito tempo em outros países do mundo, quando durante dez anos o Brasil viveu meio anestesiado pelo seu sucesso compartilhado e aplaudido mundialmente? O Brasil está pior hoje do que há dez anos atrás? Não, está melhor. Pelo menos mais rico, tem menos pobres e cresce o número de ricos. É mais democrático e menos desigual.
    Como se explica então que a presidenta Dilma Rouseff, com uma aprovação popular de uns 75%, cifra que chegou a superar ao popular Lula, possa ser vaiada repetidamente na inauguração da Copa das Confederações em Brasília, por quase 80.000 torcedores de classe média que se deram o luxo de pagar até 400 dólares por um ingresso?
    Por que vão protestar na rua pela alta de preços dos transportes públicos jovens que normalmente não usam esses meios pois já tem carro, uma coisa inimaginável há dez anos?
    Por que protestam estudantes de famílias que até pouco tempo atrás nem haviam sonhado em ver seus filhos pisar numa faculdade?
    Por que a classe média C que saiu da pobreza, e que pela primeira vez pode comprar uma geladeira, uma máquina de lavar roupa, uma televisão, e até uma moto ou um carro usado, bate palmas para os manifestantes?
    Por que o Brasil, sempre orgulhoso do seu futebol, parece agora estar contra a Copa do Mundo, chegando a turvar a inauguração da Copa das Confederações com uma manifestação que teve feridos, detidos e medo nos torcedores que foram ao estádio?
    Por que esses protestos, inclusive com violência, em um país invejado até por Estados Unidos e Europa pelo seu quase nulo desemprego?
    Por que se protesta nas favelas, onde os seus moradores tiveram duplicado sua renta e recuperado a paz que o narcotráfico tinha-lhes roubado?
    Por que, de repente, tem se levantado fortemente os indígenas que possuem 13% do território nacional e têm a Justiça sempre do lado de suas reivindicações?
    Será que os brasileiros estão sendo ingratos com quem tem melhorado sua vida?
    As respostas a todas essas perguntas que produzem em tantos, começando pelos políticos, uma mistura de perplexidade e assombro, poderiam ser resumidas em poucas questões.
    Em primeiro lugar, poderia dizer-se que, paradoxalmente, a culpa é de quem deu aos pobres um mínimo de dignidade: uma renda não miserável, a possibilidade de ter uma conta no banco e acesso ao crédito para poder adquirir o que sempre foi um sonho para eles (eletrodomésticos, uma moto, um carro).
    Talvez o paradoxo é pelo seguinte: ter colocado os filhos dos pobres na escola, onde os seus pais e avós não estiveram; ter permitido aos jovens, a todos, brancos, negros, indígenas, pobres ou não, ingressar numa faculdade; ter dado acesso gratuito à saúde, ter liberado aos brasileiros do antigo “complexo de vira-latas”; ter conseguido tudo aquilo que tornou ao Brasil um país quase do primeiro mundo.
    Os pobres que chegaram à nova classe média ficaram conscientes de ter dado um salto na esfera do consumo e agora querem mais. Querem, por exemplo, serviços públicos do primeiro mundo, que hoje não são, querem uma escola que além de acolher, ensine com qualidade, que hoje não existe; querem uma universidade não politizada, ideologizada ou burocrática. Querem universidades modernas, vivas, que preparem para o trabalho do futuro.
    Querem hospitais com dignidade, sem meses de espera, sem filas desumanas, onde sejam tratados como pessoas. Não querem que morram 25 recém-nascidos em 15 dias em um hospital de Belém, no Pará.
    E querem acima de tudo o que ainda falta políticamente: uma democracia mais madura, na qual a polícia não continue agindo como na ditadura; querem partidos que não sejam, na expressão do Lula, um “negocio” para ficar rico; querem uma democracia onde exista uma oposição capaz de vigiar o poder.
    Querem políticos menos corruptos; querem menos esbanjamento nas obras que consideram inúteis quando ainda faltam moradias para oito milhões de famílias; querem uma justiça com menos impunidade; querem uma sociedade menos abismal em suas diferenças sociais. Querem ver na cadeia os políticos corruptos.
    Querem o impossível? Não. À diferença dos movimentos de 1968, que queriam mudar o mundo, os brasileiros insatisfeitos com o que já atingiram, querem que os serviços públicos sejam como os do primeiro mundo. Querem um Brasil melhor. Só isso!
    Simplesmente querem o que lhes ensinaram a desejar para ser mais felizes ou menos infelizes do que foram no passado.
    Tenho ouvido algumas pessoas falar: “Mas o que mais quer esse povo?” A pergunta me lembra a de algumas famílias que depois de ter dado tudo aos seus filhos, segundo eles, eles ainda assim se rebelam.
    Às vezes os pais se esquecem de que nesse “tudo” faltou uma coisa que para o jovem é essencial: atenção, preocupação pelo que ele deseja e não pelas coisas que lhe são oferecidas. Precisam não só ser ajudados e protegidos, levados de mãos dadas, mas eles querem aprender a ser protagonistas.
    E aos jovens brasileiros, que têm crescido e ficado conscientes não só do que já têm, mas do que ainda podem atingir, está lhes faltando justamente que os deixem ser mais protagonistas da sua própria historia, mais ainda quando demonstram ser imensamente criativos.
    Que o façam, sim, mas sem acrescentar violência, que violência já tem demais nesse maravilhoso país que sempre preferiu a paz por sobre a guerra. E que não se deixem enganar pelos políticos que vão tentar montar-se no cavalo do protesto, para esvaziá-lo de conteúdo.
    Ontem li num cartaz: “País mudo é um país que não muda”. E também, dirigido à policia: “Não atire contra os meus sonhos”. Alguém pode negar a um jovem o direito de sonhar?”

Deixe um comentário

banner

Fundação Metro

Clique Aqui!