A Tragédia de Realengo, a Justiça e a Não Violência

Publicado por Milton 8 de abril de 2011

Após ver o noticiário pela TV da chacina que um jovem de nome Welington, da periferia da Cidade do Rio de Janeiro, fez com adolescentes, seus vizinhos e frequentadores da mesma escola em que ele estudou, fico vendo os jornalistas totalmente perdidos ao tentarem explicar ou comentar a tragédia.

Busca-se um culpado fácil que não é encontrado, e aí ficam dando voltas, perdidos no meio do sensacionalismo e da exposição do desespero das mães, pais, irmãos, parentes, vizinhos. As autoridades totalmente perdidas sem saber o que fazer ou o que falar. Da mesma forma as religiões e a mídia, que são os grandes formadores de valores e ideologias. A prova desta desorientação geral foi o resultado inesperado do “Plebiscito do Desarmamento”, realizado em 23 de outubro de 2005, quando o povo brasileiro disse NÃO ao desarmamento uniliateral e incondicional. Talvez neste assunto a opinião da maioria silenciosa possa ser esclarecedora e por isso resolvi dar a minha.

Há alguns dias tive a curiosidade de assistir um “filme de ação”, com Bruce Willys. É totalmente impressionante a indústria da carnificina. Mata-se dezenas, centenas, como se fosse uma brincadeira ou um esporte, a técnica de atirar rápido, ter boa pontaria e bons reflexos, além de contar com uma proteção sobrenatural que todo mocinho precisa. O que é mais importante nesses “filmes de ação” é que os caras depois de matarem adoidado voltam para sua bucólica cidadezinha americana onde vivem em paz com suas famílias, pelo menos até que outra missão de aventura os atraia.

Vocês não acham que estes rebeldes sem causa acabam influenciando jovens sem referência como Welington, que protagonizam estas tragédias em Realengo, Columbine e Virginia Tech? Outro dia na academia onde faço natação, eu estava no vestiário escutando as conversas dos frequentadores dos cursos de artes marciais e fisiculturismo, e percebi a força desta ideologia da violência, difundida tanto no cinema quanto na TV, e principalmente nos vídeo games.

Ao ver o noticiário real fico vendo a facilidade com que os países da OTAN, EUA, França, Inglaterra e outros, têm para bombardear a Líbia, uma situação que, fora o petróleo que lhes interessa, não lhes diz respeito diretamente. Fico pensando: como é fácil decidir matar e mais fácil ainda executar a decisão. Basta que Sarkozy ou Obama autorizem pelo telefone o pedido de um comandante militar para que as frotas marítimas, com Porta-aviões, destróieres, encouraçados e submarinos se desloquem, e que os aviões levantem vôo para despejar toneladas de bombas em cima de alvos nem sempre muito precisos ou claros. É evidente que muitos inocentes, ou seja pessoas que não tinham nada a ver com o assunto, perdem as vidas. Se eu tiver que definir o que é terrorismo, uma palavra tão banalizada pelas superpotências que dominam o mundo através da OTAN e do Conselho de Segurança da ONU, eu diria: “é matar inocentes”. E quem mata mais inocentes que a indústria da guerra chamada OTAN?

De certa feita, quando estava em andamento a Revolução Argelina (1956-1962) contra o colonialismo francês, estando o líder revolucionário Mohamed Ben Bella preso em Paris, e contando com forte apoio da opinião pública mundial, os militares franceses resolveram apresentar o líder rebelde para uma coletiva de imprensa. Quando uma jornalista francesa perguntou a Ben Bella se era verdade que os rebeldes utilizavam barrigas de mulheres grávidas para transportar bombas em Argel, ele respondeu: “Pedimos desculpas por não termos aviões”.

Voltando para hoje, sabemos que o mundo todo ficou chocado com o atirador Welington que deu dezenas de tiros dentro da escola de Realengo, atingiu 24 e matou 12 adolescentes. Pois bem, ninguém pode questionar um bombardeio da OTAN que segundo o bispo de Trípoli matou 40 civis inocentes, ou seja pessoas que não tinham nada a ver com a guerra. Quando nós nos curvamos diante da violência injusta dos poderosos que matam dezenas, centenas, milhares, pelo petróleo que ambicionam, nós estamos escolhendo uma escala de valores que é divulgada pelos Rambos, pelos Arnold Schwarzenegger, considerados diretores e atores de grande sucesso em Hollywood. Este último foi eleito por duas vezes governador da Califórnia, um dos estados mais importantes dos Estados Unidos, e foi nomeado duas vezes pela influente revista “Time” como uma das cem pessoas que ajudaram a moldar o mundo. Certamente que no fundo do inconsciente do jovem de Realengo os peritos irão encontrar as digitais do Schwarzenegger.

Causas psicológicas à parte, como evitar que novas tragédias como a do Realengo ocorram? Me lembro que em um atentado em Tel Aviv em que um homem entrou em um mercado atirando a esmo, a matança só foi contida quando um civil armado o alvejou e matou. Da mesma forma em Realengo foi uma pessoa armada que alvejou o atirador e certamente salvou muitas outras vidas. Não interessa se essa pessoa armada era civil ou policial, se estava ou não de serviço naquele momento. O que interessa é que alguém com valores de Justiça se valeu da Violência para deter o agressor e salvar vidas humanas.

Alguém, cujo nome não me recordo teve a imensa lucidez e coragem de dizer que a verdadeira Não Violência só será conquistada quando os justos forem violentos e monopolizarem o uso das armas. Se os justos desconhecerem a existência das armas, estas cairão na mão dos injustos. É preciso que os justos sejam violentos para conter a violência dos injustos.

Se quisermos um mundo de Justiça e Não-violência é preciso que nos transformemos em pessoas justas interiormente, mas não podemos desconhecer a existência das armas e da violência, precisamos garantir o uso Justo e Não-violento delas, e isto vale tanto para indivíduos quanto para os países.

Comentários
  • Verly 4790 dias atrás

    Milton, o sistema capitalista está faturando horrores em cima deste massacre. O que torna esses seres tais como agem é todo o instrumental do sistema capitalismo.
    As escolas, as forças armadas, as policias civis e militares, a mídia, as religiões e tudo que o sistema impõe como sua vontade – inclusive as representações da classe média e dos trabalhadores-, são engodos que visam aperfeiçoar os eficazes instrumentos de controle social.
    O medo, as fobias, as magoas e as paranóias da sociedade são gerados pelas relações sociais intrínsecas do sistema capitalista, que, com sua lógica perversa e o cultivo de todas as mazelas e misérias afetam a humanidade.
    Seu excelente artigo é uma ótima contribuição para a retomada da consciência social rumo à uma transformação mais profunda que sempre sonhamos e comungamos em principios e práticas. Parabéns!

  • antonio carlos locô 4790 dias atrás

    caro Milton hoje vejo o lutador que sempre me pareceu ser, falou bem quando disse que justos terão que conhecer armas para que elas ao cair em mãos de injustos tera alguèm que não pensa como eles que pode lhes fazer frente, é o único meio de para-los ate que a justiça e educação e acesso ao trabalho for para todos .
    O povo brasileiro ainda pensa que trabalho é castigo de Deus pois isto foi lhes infundindo como uma forma das religiões oprimirem para manter seus fieis.
    Poucos gostam de trabalho honesto neste Pais,
    Certo é que pessoas que tem familia ou então vivem uma vida comum estao se armando com medo do mundo injusto, mas veja bem este mundo esta entre nos desde os primeiros tempos dos homens,somos nos mesmo que o compomos,fazemos parte dele,só mesmo educando nos e melhor aprender-mos e nos sairemos bem destas situações.
    Com certeza terrorismo é matar inocentes, e isto a OTAM faz bem ao ser mandada,

  • Sânia 4790 dias atrás

    Ontem e até hoje eu passei muito mal, esta tragédia do Rio me abalou. Crianças! Matar crianças. Como isto é possível?
    Eu tbém cheguei a falar com meu filho sobre estes jogos eletrônicos onde se mata, mata…. Qto mais tiros se acerta mais pontos ganha. Dizem ser inofensivos… E os filmes de violência que são vendidos e consumidos diariamente na TV, no cinema.
    O que se passa? Banalização cotidiana da violência. Que valores? Que vida?
    Eu não sei o que pensar neste momento. Mas desta vez foi impossível não chorar, ficar indiferente. Me senti solidária e senti a dor daquelas mães. Seus filhos, nossos filhos. Madres, nós sabemos o valor da vida, sonhamos a paz e alegria para nossos filhos. Hj o Brasil, o mundo inteiro está de luto e perplexo! … …. Sânia

  • Maria de Fátima 4790 dias atrás

    Companheiro,concordo com você plenamente.Muito bom seu artigo,e gostaria de acrescentar algo se me permite:Assitindo um vídeo amador,fiquei estarrecida ,porque as pessoas que estavam de fora da escola não sabiam se o rapaz já estava morto ou se havia sido contido pelos policiais ,invadiram a escola passando por entre corpos no chão,inclusive o dele.Os policiais ainda em estado de choque gritavam por ajuda,e tudo era confusão só.Imagina se o rapaz ainda estivesse com a arma na mão,como teria sido maior a tragédia?Não culpo os policiais ,que no momento eram poucos ,mas penso que as pessoas tinham que entender que alem de estarem colocando as outras crianças da escola em risco ,elas tambem corriam risco de morte.

  • Jorge Pimenta 4790 dias atrás

    Meu caro Milton Campos,

    Seu artigo é muito interessante e concordo com suas observações. Gostaria de acrescentar alguns comentários:
    – o assombro dos jornalistas e da opinião pública se dá por que estão muito acostumados em domonizar e criminalizar todos, ou melhor, tudo que parte da parcela mais pobre da população seja ela, autora ou vítima de violência, mas não se remetem a violência do Estado, da polícia, do capitalismo terrorista e sanguinário (vide invasões de países e intervenções inadequadas que não respeitam soberania dos povos em nome de ‘ideais democráticos civilizatórios da sociedade ocidental judáico-cristã-greco-romana;
    – não falam da liberalidade de venda de armas, que nos EUA são vistas, como forma de auto-defesa (!) Será que queremos esse modelo? Certamente não!
    – é muito fácil falar de psicopatia, de comportamento ou personalidade anti-social (classificações da psiquiatria que não respeita o sujeito e suas vicissitudes), mas não conseguem abordar a loucura e os desencadeamentos psicóticos, como se os psicóticos não fizessem parte da vida e do mundo. Eles precisam de tratamento digno, não de hospícios como os Gulags soviéticos. Eles estão como qualquer um de nós, submetidos a situações que podem sim agravar as manifestações de sua doença. Qual situação: tem a seu dispor armas, munições, drogas etc. O que dizer às famílias. aos alunos, aos professores, à comunidade do Realengo? Não creio que colocar detectores de metal ou polícia (mais armamento) nas portas das escolas pode evitar casos como esse. Mas um desarmamento sim é eficaz. Se houvesse um policial armado na escola, provavelmente ele teria sido o primeiro a ser atingido. Esse rapaz já tinha dado e fornecido indícios precisos de sua situação crítica como doente mental, mas foi ignorado. Precisava de tratamento. Nem sempre podemos evitar o pior, mas nada foi tentado. Psicóticos desencadeados ou não, não são débeis mentais, não estão no discurso, mas estão no código, falam, pensam e são perfeitamente influenciáveis pelo meio. Qual meio? O de uma sociedade consumista (de drogas, de armas, de m…) e podem se valer disso, mesmo que não consigam ter um discurso articulado. Ele W., não tinha laços sociais, mas sabia muito bem colher informações da internet (afinal um direito de todos) e se municiou disso para realizar o imperativo categórico de seus delírios. Vale a pena discutir: política pública de saúde (a mental, inclusive), política pública de educação, política pública de convivío social, política pública de paz… o que mais?
    Saudações,
    Jorge Pimenta

1 2 3 7

Deixe um comentário

banner

Fundação Metro

Clique Aqui!