A guerra dos emboabas – parte I

Publicado por Padre Joao Delco Mesquita Penna 14 de junho de 2021

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Em fins de 2020 entre tantos outros eventos comemorativos no Estado de Minas Gerais, foi realizado no Alto da Serra da Piedade, Zona Rural de Caeté, MG, no Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade, uma missa em ação de graças, alusivos aos trezentos anos do surgimento do Estado de Minas Gerais.

Desde a realização de pequenos eventos no final daquele ano, muito pouco tem se falado da importância da memória do tricentenário que marcou a criação do território que mais tarde viria a ser o Estado de Minas Gerais, com suas riquezas naturais e sobretudo seus riquíssimos e imponentes patrimônios material e imaterial, este uma mescla profunda de tradições culturais e religiosas oriundas de todos os continentes, não encontrado em nenhuma outra parte desse mundão de meu Deus.

A região da Serra da Piedade, mais precisamente a cidade de Caeté é marco e palco histórico do início da Guerra dos Emboabas, 1707-1709, fator fundamental para a criação em 1720 da Capitania das Minas do Ouro, que viria a ser o “prenúncio” do admirável Estado de Minas Gerais. O historiador Isaías Golgher publicou sobre o tema seu livro “Guerra dos Emboabas: a primeira guerra civil das Américas”, 1982, Cons. Est. Cult. MG, inspirada na obra de Francisco Adolfo de Varnhagen “História do Brasil antes de sua separação e independência de Portugal”, 1948, Ed. Melhoramentos.

Nos propomos a apresentar alguns artigos refletindo sobre a importância histórica da Guerra dos Emboabas, confronto travado pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro na região, episódio que a nosso ver é fundamental para a compreensão da evolução econômica, cultural e política do território mineiro, que veio a se tornar o epicentro geopolítico nacional.

A expansão econômica dos séculos XV e XVI (1400-1600) foi pela busca de lucros no comércio com “as Índias”, mas a partir do descobrimento da América em 1492 quando os espanhóis encontraram grande quantidade de ouro e prata acumulado pelas civilizações que encontraram, seus rivais portugueses também passaram a focar na busca desses metais preciosos nos territórios que lhes couberam pelo Tratado de Tordesilhas, principalmente a partir do século XVII (1600-1700) através das chamadas Entradas e Bandeiras a partir da Capitania de São Vicente.

A desvantagem inicial dos portugueses em relação aos espanhóis no continente americano é que os habitantes dos territórios que tocaram a Portugal eram mais primitivos, vivendo no chamado Estado Selvagem em seu estágio superior ou da Pedra Polida e não dominavam a fusão dos metais, enquanto as civilizações embrionárias dos territórios sob domínio espanhol já fundiam o ouro e a prata, conhecendo seu valor e tinham esses metais pré-acumulados.

Foi com as madeiras tintoriais, especialmente o pau-brasil, no século XVI (1500 em diante) e com a cana-de-açúcar, de meados do século XVI a meados do século XVIII (1550-1750) que Portugal iniciou de fato a exploração da sua nova colônia. O ciclo do pau-brasil teve seu centro no litoral da Bahia e o do açúcar em Pernambuco, gerando grande prosperidade, despertando inclusive a ambição dos holandeses que ocuparam a Capitania de Pernambuco entre 1630 e 1654. Mas o açúcar, principal fonte de enriquecimento da época, começou a atravessar uma grave crise devido à concorrência das Antilhas onde parte dos holandeses expulsos do Brasil investiram em sua produção.

No século seguinte, a procura de minerais preciosos levou pelo sertão adentro expedições que arregimentavam índios para desbravar e povoar o interior, criando estruturas de suprimento dos bens vindos do litoral. A origem dos sertanistas era São Vicente, sede da capitania do mesmo nome, e eram chamados por isso de Vicentinos. Após anos desta busca obstinada, por entre 1681 e 1695, o ouro foi encontrado e a área da famosa descoberta ficou conhecida como a região das Minas do Ouro, espalhadas pelos gerais das montanhas, rios e encostas. Taubaté, era um dos principais pontos de apoio, e posteriormente São Paulo de Piratininga, que depois se tornou capital da efêmera Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, 1709-1720.

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A descoberta das minas encontrou uma ressonância favorável entre os elementos quase arruinados, que viram nelas o meio de recuperar a prosperidade que o açúcar não mais lhes proporcionava mais.

A notícia do descobrimento do ouro correu com velocidade atraindo a partir de meados da última década do século XVI, 1695, crescente contingente de desbravadores para o território compreendido pelas comarcas de Vila Rica, Rio das Velhas, Serro Frio e Demarcação Diamantina no centro do atual Estado de Minas Gerais, onde foram surgindo os primeiros povoados que eram batizados de Primeira Vila do Ouro, Segunda …, etc. Até 1705 já havia na primitiva e inóspita região cerca de 50.000 recém chegados.

A Guerra dos Emboabas foi um confronto travado de 1707 a 1709 pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro na região do atual estado de Minas Gerais. O conflito contrapôs os desbravadores vicentinos ou paulistas vindos da capitania de São Vicente e os forasteiros que vieram de diversas partes do Brasil, de Portugal e até de outros países, depois da descoberta das minas. O primeiro grupo, formado pelos bandeirantes paulistas, havia descoberto a região das minas e, por esta razão, reclamava a “mercê real”, a exclusividade de explorá-las. Já o grupo heterogêneo composto de portugueses provenientes da Europa e migrantes das demais partes do Brasil, sobretudo da costa leste nordestina, liderado por Manuel Nunes Viana, era pejorativamente apelidado de “emboabas” pelos paulistas devido ao uso de botas de couro de cano longo que lhes dava semelhança às aves pernaltas com esse nome. Em tupi emboaba quer dizer ave da perna peluda.

O conflito no início do século XVIII trouxe mudanças importantes para o Brasil Colônia. O sertão brasileiro começou a ser povoado, pois o litoral não trazia mais lucro com o açúcar. A coroa portuguesa fez-se presente, dividiu as capitanias de São Paulo e Rio de Janeiro e criou a Capitania das Minas de Ouro, 1720-1821. Além disso, a cobrança de impostos passou a ser uma rotina para os exploradores da região que foi dotada de um formidável arcabouço institucional. Era possível explorar os metais preciosos desde que se pagassem os impostos à coroa Portuguesa.

Nos próximos artigos desta série pretendemos refletir sobre os legados históricos do povo mineiro e suas conquistas ao longo dos trezentos anos de sua existência.

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