O deus acaso é onipresente. Passeia por toda a extensão do Cosmo. Mesmo oculto, ele se manifesta de modo permanente na geração de novas estrelas, na rota de cada cometa, na voragem dos buracos negros. Ela age nos cataclismos, nos terremotos e nos tsunamis…
O deus acaso é onisciente. Ela sabe como derreter as geleiras, como acender os vulcões, como insuflar os ciclones. Sabedor de tudo, ele domina o segredo de todos os processos naturais, inclusive a decisão de germinar – ou não – a semente de amora que o sabiá excretou…
O deus acaso é onipotente. Graças a ele um óvulo é fecundado, a maçã de Newton despenca do galho, as Torres Gêmeas desmoronam ao beijo de um avião. Sem sua divina onipotência, a própria vida – esse absurdo lógico – jamais brotaria neste planeta-exceção…
Sendo por natureza puro acaso, essa divindade neutra lança seus dados à esquerda e à direita, em um torneio absolutamente imprevisível, indiferente aos efeitos de seu game preferido. Por isso mesmo, o deus acaso é absolutamente amoral, transformando todo ser vivo – da ameba ao controlador de voo – em vítimas inocentes de seu ativismo sem leis.
Só agora descobrimos – graças a recentes pesquisas – que o deus acaso é o responsável pelo gene trapalhão que aflora, aqui e ali, produzindo as mais estranhas aberrações do que deveria ser a Ordem nascida de nossa imaginação. São trapalhadas genéticas que resultam da infinita possibilidade de variações quando, distraído, o deus acaso suspira e tosse.
A decorrência natural desta constatação é que ninguém – nem o leão movido por instintos, nem o governante movido pelo acaso – pode ser responsabilizado por seus atos, arrastados pela roleta russa do imprevisível. Somos células inoperantes de um Cosmo ocasional.
Toda essa história de ética e de moral ruiu por terra, pois o acaso tudo explica. Dólares na cueca? Puro acaso. Fome na África? Puro acaso. Crash na Bolsa? Puro acaso. Seria terrível admitir a existência de um Ser Criador, responsável pelo drama da existência e com o direito de estabelecer normas e decálogos. Isto nos faria responsáveis e, eventualmente, réus. Daí a reação dos doutores nas academias e universidades à primitiva hipótese de um Deus criador. Evidentemente uma reação ao acaso.
Claro, isto não se pode negar: se o deus acaso existe e reina, então a espada do fatalismo está erguida sobre a cabeça de todos nós. E, sendo puro acaso, ele é incapaz do amor. E ninguém ama por acaso…
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