Uma pedra lhe deixarei de herança:
ovalada, lisa, opaca,
ao fundo do riacho colhida.
Nela, se bem a observa,
decifrará marcas de um tempo
que se perdeu nos vórtices
de inescrutáveis ampulhetas.
Contemple-a nos detalhes:
tons, sub-tons, delicados poros,
e a mancha acastanhada,
qual indelével tatuagem…
Tão lisa a superfície,
suave e agradável ao toque,
e a temperatura que nos remete
à frialdade das cavernas.
Decerto nos primórdios grande e angulosa,
por milênios imóvel, esquecida,
eis que, sob o limo das correntes,
foi sendo aos poucos lapidada.
Quem sabe se, oriunda de um vulcão,
Pela encosta desceu, incandescente lava?
Ou se – perdido meteorito –
dos céus veio em vertiginosa queda?
Mas o certo é que seja,
filha da mais trivial geologia,
igual às pedras do caminho.
Dela não se desfaça,
antes, numa gaveta a guarde,
para que um dia nela possa perscrutar
o código germinal dos milênios.
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