Cidade redescoberta

Publicado por Antonio Ângelo 10 de setembro de 2015

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Minha cidadezinha do interior
por razões abstrusas –
por mais que aleguem motivos estratégicos –
tamparam-na com imenso lago
para fazer uma hidrelétrica.

Minha cidade tão bucólica
com suas casinhas simples,
maravilhosas praças desnudas
onde parques e circos se assentavam,
minha cidade de ruas sem calçamento
onde nas enxurradas criávamos represas
para nossos barcos de papel,
não sei que loucos desígnios
permitiram que a afogassem.

Mas há um deus
que protege as pequenas cidades
e hoje com a seca prolongada
volto a caminhar em suas vielas.

Ali a casa onde morei
com seu imenso quintal
sob a curvatura do céu
onde navegavam nuvens;
árvores frutíferas ou matos rasteiros
entreteciam a trama que formava
o delicado tecido de minha infância.

Aquela trilha que desce rumo à várzea
onde num plano à beira-rio
eu e meus companheiros
jogávamos nossas peladas
em tardes escaldantes.

No mato frente à minha casa
armávamos cabanas,
corríamos em meio a arbustos
e tentávamos imitar os heróis
das matinês de domingo.

A igrejinha em que fui coroinha
e onde um padre bravo
me obrigou a apanhar do tapete
as brasas que derrubara do turíbulo
(“cata, cata, cata” – ecoam ainda suas palavras
como uma catraca em minha memória).

Posto de policia, cadeia de poucos presidiários
que fumavam nas janelas gradeadas
apreciando o ir e vir dos homens livres;
na esquina, armazém do Seu Cândido
em que nos fins de semana
meu pai comprava garrafas de guaraná
(esverdeadas, contendo o líquido dourado)
que tomávamos com entusiasmo infantil,
bolhinhas espocando no céu da boca.

Ainda no Largo da Igreja destroços do coreto:
uns olhos em noite junina,
pegar nas mãos (quão alvas!),
o primeiro abraço,
a descoberta dos lábios.

Continuo a caminhar
e tudo é lembrança
como em um filme mudo
em que na paisagem se adivinha fantasmas
de um tempo – este sim –
definitivamente submerso.

Comentários
  • Gislaine 3371 dias atrás

    Muito gostoso reviver momentos da infância semelhante aos resgatados no poema. Obrigada Antonio Ângelo por proporcionar esse sentimento.

  • Wesley Pioest 3373 dias atrás

    Um matiz diferente na poesia (esta cenográfica) alta de antonio angelo. Surpreendeu-me o vasculhar amiúde do passado (bem vinda novidade!), e já quedo-me a aguardar vindouras colheitas. Na terra angeliana, poeta melhor não há.

  • JOECE AGUIAR NEVES MELLO 3373 dias atrás

    A natureza te presenteou de forma a reviver este cenário e você nos permitiu compartilhar desde sentimento e emoção.

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