A outra margem

Publicado por Antonio Ângelo 9 de março de 2016

a outra margem


Leva-me ao outro lado do rio
amigo barqueiro
afasta-me das sombras
que infestam a margem de cá.

Não suporto mais tantos gemidos
tantos escorados à própria desgraça
a fome, as mãos se abrindo em chagas
os miasmas das febres terçãs
a luta diária sem esperança de vitória
ou de que o sofrimento tenha fim.

Vê como à noite
ruge nas vertentes o vento
que rola pelas encostas
até esbater-se contra nossas costas lenhadas.

Vê como capatazes desnaturados
desconhecem nossa condição humana
nos escorraçam, nos olham com desprezo
nos conduzem ao desespero.

Sei que ao atravessar o rio
teremos que sobrepassar correntezas
redemoinhos terríveis a nos tragar para o fundo
ainda o risco de que sejamos atingidos
pelos inúmeros tiros dos feitores.

Mas daqui à distancia
logo depois do amanhecer
sou atraído pelas paisagens que entrevejo
na outra beira do rio
onde primeiro chegam os raios do sol.

Vejo lá crianças a correr na praia
há jogos, brincadeiras
mães cuidadosas
e quando permite a brisa
chegam-me aos ouvidos retalhos de canções.

Portanto, mãos aos remos
transporta-me definitivamente
para onde a vida viceja
para que possa me salvar
da irremediável perdição
a que estamos fadados nesta margem do rio.

Comentários
  • Sânia Maria Campos 3138 dias atrás

    Linda! Boa para o momento…

  • mendes 3139 dias atrás

    Antonio ÄNGELO!
    Poesia comovente, e cai bem nas profundezas do ser.
    Maria

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