– Vovô, o que é reencarnação?
Sêu Sabino levou um susto, quase deixou cair o caderno de esportes do “Estado de Minas”. Olhou para a figurinha do neto à sua frente e disse:
– Você só tem seis anos… Acho que isso não é assunto para a sua idade…
– Quê isso, vovô? Fui eu que ensinei o senhor a usar o celular…
Vencido pelo argumento que saltava o fosso das gerações, o velho tabelião aposentado entregou os pontos.
– Tá bem. Vamos ver… Imagine que o vovô morra…
Sêu Sabino fez uma pausa e sentiu que estava em terreno perigoso.
– Você sabe que o vovô vai morrer um dia, não sabe?
– Sei, sim, vô. Meu cachorrinho também morreu…
Sem saber se devia rir ou xingar, o velho foi adiante.
– Pois então… Se eu morresse e, tempos depois, eu aparecesse de novo em outro corpo, isto seria a minha reencarnação.
– Com o mesmo corpo, vô?
– Não, claro. O corpo se desfaz ao ser enterrado…
– Então, o senhor não seria mais careca e barrigudo?
– Acho que não…
– Então, não me interessa! Não seria você. Seria outro vô…
E Pedroca foi jogar bola no pátio…
* * *
Um diálogo imaginado, mas bem possível. Um neto não está interessado em um vovô reencarnado que, afinal de contas, é outra pessoa, pois não conserva mais a unidade entre corpo e alma espiritual que configura aquilo que chamamos de “pessoa”. O amor de Pedroca é por “este” avô, não outro. Ainda mais que o “novo” nem se lembraria do netinho da outra vida! Pedroca não estudou antropologia, mas intui que outro corpo teria desfeito a pessoa do avô que ele ama.
Veio do Oriente antigo o mito da reencarnação, a transmigração das almas ou metempsicose, que brota de uma visão circular da história humana, com os indivíduos encerrados em uma engrenagem que os traz sempre de volta ao planeta.
Se Sêu Sabino fosse um catequista da Igreja São José, teria dito ao neto que os cristãos aprenderam diferente com Jesus Cristo. O Mestre da Galileia ensinou que nosso destino último é a ressurreição da carne. No grande Dia do Senhor, na Segunda Vinda, as almas dos mortos receberão de volta o corpo carnal do qual se separaram com a morte. Este é um elemento essencial da fé cristã, afirma o Catecismo, um mistério que resultou de progressiva revelação ao longo da caminhada do homem.
O cristão crê que a salvação é um dom gratuito que Cristo mereceu para todos nós com sua morte e ressurreição. Crê que não precisa voltar ao planeta com outro corpo para “merecer” a salvação. E mais: se precisasse sofrer pessoalmente para se salvar, ia considerar como inútil a cruz de Jesus Cristo.
Mesmo na Bíblia, os mais antigos imaginavam os mortos no Xeol, em uma espécie de sono profundo. O Salmo 115 chega a afirmar que “os mortos não louvam o Senhor”. Depois da revelação feita por Jesus Cristo, os cristãos aprenderam que aqueles que vivem em comunhão com o Senhor não serão separados pela morte, mas essa vida comum se projeta além da morte. Os ramos enxertados na Videira, que é Cristo, não são amputados pela morte e permanecem vivos no Tronco vital.
Escrevendo aos coríntios, o apóstolo Paulo fala com detalhes da ressurreição da carne, ainda que confesse não saber como serão nossos corpos glorificados. Surpresas de além-túmulo!
Seja como for, Pedroca, aproveite bem o seu avô enquanto ele está vivo… Outro avô nunca seria o mesmo…
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