O ateu e o papa

Publicado por Antonio Carlos Santini 13 de março de 2024
0 ateu e o Papa

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Quando o ateu entrou no salão, Sua Santidade ergueu-se e abriu os braços até onde permitia a musculatura já cansada do velho polonês. O político, intimidado diante do vulto branco, solene e paternal, cofiou os bastos bigodes.
– Seja bem-vindo, Senhor Ministro! Há muito que estava à sua espera!
– Pois aí está, Santidade: quem espera sempre alcança. Como vocês dizem, a esperança é uma virtude… como é que se diz?
– Teologal.
– Isto mesmo! Virtude teologal…
– Mas também vocês, os comunistas, sempre tiveram muita esperança de chegar ao Paraíso da classe proletária…
– De fato, Santidade, mas devemos fazer penitência. Nosso paraíso correu pelo bueiro. Alguns acham que era uma droga…
– Não se incomode, filho. O comunismo foi o ópio de Marx. Mas deixemos de lado o passado. O que importa, agora, é o seu novo governo e a luta contra os desafios deste novo tempo que se avizinha!
– Meu credo político é uma proposta de união nacional. Digamos que, em nossa casa, há muitas moradas…
– Faz muito bem, Senhor Ministro. Faz muito bem. O mundo e a Itália já sofreram demais com os extremismos de tido tipo.
– Daí, Santidade, a minha proposta ecumênica. Todos os partidos no mesmo balaio. Perdão, no mesmo redil.
– Oh! Oh! Oh! Isto me deixa muito feliz, meu filho. Estou experimentando a seu lado uma alegria que só conheci durante minha viagem a Cuba. Verificar que não há barreira ideológica que não possa ser superada pela fraternidade.
– Natural, Santidade! Nosso dogma é exatamente a fraternidade! A unidade de todas as tendências é nossa profissão de fé…
* * *
Neste momento, a esposa do ministro tossiu discretamente e tomou das mãos do filho caçula um embrulhinho de presente.
– Desculpe, Santidade, mas nós gostaríamos de lhe entregar uma pequena lembrança. Um ícone russo…
– Muito grato pela lembrança! Como polonês, conheço muito bem esses tesouros da arte cristã anterior ao regime soviético. Mesmo durante a perseguição… Hum… Ham… Digo, a Revolução Comunista, cada família russa conservava seus ícones no recesso de seu lar.
A mocinha, a filha mais velha, tentou falar:
– Nós também…
Mas foi puxada pelo pai e levou um beliscão da mãe, calando-se de pronto. O Papa ergueu-se, como quem sinaliza o final da audiência:
– Foi uma alegria recebê-lo… desta primeira vez…
– Santidade, inclua sempre nossa família em suas… como dizer? Meditações…
O Papa deu uma risadinha matreira e despediu-se:
– Venha sempre. Sem a imprensa e sem o protocolo. Lá na sacristia da Capela Sistina temos um confessionário bem discreto. Vá com Deus!
– Santidade, o senhor é o máximo!
– Não, meu filho, eu sou Karol. Você é que é o Massimo…

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