Meu assunto não é a velha discussão a respeito de incluir ou não Ensino Religioso entre as disciplinas do currículo escolar. Penso antes na maneira de ensinar religião.
Quando passei pela “escola primária”, tínhamos uma aula semanal de “religião”. A jovem professora copiava no quadro negro o desenho de um livro de imagens. Lembro-me de uma delas. Atrás de um muro, havia uma casa e um pomar. Via-se uma árvore carregada de frutas maduras. Dois ou três moleques pulavam o muro, deixando subentendido que pretendiam roubar as frutas. No alto, em um grande triângulo, havia um grande olho, algo ameaçador. E a frase: “Deus me vê”…
Passados 66 anos, percebo o que não percebia na época: tentavam usar a “religião” como uma espécie de freio para deslizes morais, entres os quais o crime inominável de… roubar laranjas… E se o preço fosse transmitir uma imagem ameaçadora de Deus, pagava-se o preço!
Ainda bem que, em casa, na cabeceira de minha cama, estava a gravura de duas crianças que atravessavam uma ponte em ruínas sobre um rio caudaloso. E com as asas abertas, em gesto de proteção, o anjo da guarda acompanhava o pequeno casal. E foi esta a imagem “religiosa” que eu escolhi: estar acompanhado, seguro e protegido, sem medos nem ameaças.
Além disso, ao sair de casa, ouvia minha mãe dizendo: “Vai com Deus!” E se minha mãe mandava Deus me acompanhar, ele devia ser gente boa. As mães sabem ensinar religião de uma forma bastante aceitável.
Por volta de meus 8 anos, passaram pela cidade do interior alguns padres redentoristas a pregar “missões”. Como de costume na época, ao fim das missões erguia-se um grande cruzeiro em ponto visível da cidade, no qual se lia a frase imperativa: “Salva tua alma!”
Inconscientemente, ficava a impressão de que a salvação de nossa alma dependia de esforço e disciplina pessoal. Nada que levasse a pensar na misericórdia de Deus, em sua decisão de nos salvar, mesmo ao preço da morte de seu Filho. A salvação não era dom, era conquista heróica…
Bem mais tarde eu ouviria falar da heresia pelagiana, que afirmava praticamente a mesma coisa: o homem se salva com esforço e boa vontade, sem deixar nenhum espaço para a Graça.
Menos mal que, no colégio interno, já adolescente, eu visitava na capela a imagem de Nossa Senhora do Belo Ramo, com seu ar de matrona romana e o Menino no colo. E eu gostava de imaginar que naquele colo sempre haveria espaço para mim. E a experiência afetiva superava em definitivo a obrigação atlética. Eu me sentia amado…
Enfim, “religião” se ensina? Parece que sim, ainda que não seja pelas vias tradicionais…
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