O mundo é uma bola

Publicado por Antonio Carlos Santini 30 de julho de 2010

Entra em campo a seleção da Alemanha: de uniforme branco, para a alegria de bávaros e berlinenses, perfilam-se o turco Özil, o ganês Boateng, o tunisiano Khedira, o brasileiro Cacau e os poloneses Klose e Podolski. O orgulho nacional entra em transe. Viva a Alemanha! Deutschland übber alles!

Do lado oposto, trajando o azul do céu refletido nas águas plácidas do Sena, a gloriosa seleção da França: ao som dos acordes da Marselhesa, cantam emocionados os cidadãos Cissé, da Costa do Marfim, Govou, do Benin, e o trio Evra, Sagna e Diarra, todos estes do Senegal. Le jour de gloire est arrivé!

O Atlas humano quebra todas as lógicas e atropela a geografia clássica. Graças ao futebol, o mundo é hoje uma bola…

É bem verdade que as coisas seriam diferentes sem aquele capítulo da História que costumam chamar de colonialismo. Se os navegadores europeus tivessem ficado em sua terra, no máximo a pescar em seus mares vizinhos, como o Mediterrâneo e o Mar do Norte, não veríamos hoje a contramaré multirracial. Mais: se não existissem as atuais desigualdades sociais e econômicas entre três ou quatro mundos diferentes, ninguém deixaria as savanas idílicas da África, pontilhadas de zebras e leões, para dar caneladas em meio ao fog de Wembley.

Não pense o leitor que estou a queixar-me dos soluços da História. Ao contrário, saúdo com entusiasmo a hipótese (ou seria a iminência?) de um planeta unificado, em que as diferenças regionais sejam mantidas como saudosismo folclórico, mas os anseios de unidade transnacional superem os bairrismos e os ufanismos patológicos que, ao longo dos séculos, nos levaram a tantos conflitos desnecessários e causaram inimaginável derramamento de sangue.

Afinal, nem mesmo nós, os brasileiros descendentes de Caramuru e Paraguaçu, podemos exigir um atestado de brasilidade. Meu sobrenome italiano seria o primeiro a desmentir essa tese. No sobrenome dos antigos presidentes do Brasil se misturam o checo [Kubitschek], o alemão [Geisel] e o português [Silva]. Nossas cidades não conseguem ocultar a nostalgia das terras do imigrante: Nova Trento, Nova Granada, Novo Hamburgo, onde Itália, Espanha e Alemanha se abraçam comovidas.

Por tudo isso – e agora, sim, devo lamentar-me – chega às raias da insanidade o projeto de associar nacionalismo e Copa do Mundo, quando os restos de amor à Pátria são usados e abusados pelo marketing sem mais pudores, que não pensa em outra coisa exceto induzir ao consumo e conquistar a audiência dos brasileiros.

Não, a seleção não é “a pátria em chuteiras”. É apenas um grupo de profissionais regiamente remunerados que se exibem como artistas de um jogo altamente rentável para seus organizadores. Um cassino atlético, pois não? Esta última Copa do Mundo não economizou cenas em que o individualismo e a procura de brilho pessoal superou de longe o espírito coletivo e algum eventual amor pelas pátrias representadas na terra das vuvuzelas. As infernais vuvuzelas, diria Vovô Tunico!

Se o esporte inclui possibilidades pedagógicas e educativas – e as inclui, por certo, diria Dom Bosco -, é a sua prática, e não sua propaganda comercial, que pode fazer bem à juventude.

E tem mais: dá pena ver crianças chorando na derrota de alguma equipe esportiva. Lágrimas desperdiçadas, que seriam mais bem choradas pelas crianças que passam fome e morrem todos os dias nos conflitos programados pelos traficantes de armas.

Enfim, há algo mais em jogo além do futebol…

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