Wesley Pioest para (e com) Claudio Bento
O vento nordeste veio bater aqui nesta varanda
e súbito eu estava na beira do rio da minha infância
mas se eu sonho pode ser até mesmo um precipício
Olho o vento e vejo os ariris e sinto o cheiro daquela chuva
e brinco na praia povoada de seriemas e garças
mas se quero fugir com os tropeiros eles já se foram
Fecho os olhos e deixo as lembranças me visitarem
a folia de reis adentrando a casa da minha avó
a dança do boi janeiro, as lavadeiras e seus cantos de sereias
mas enterrei na cacimba o milagre da água
Ainda guardam meus ombros um pouco do cheiro de lambari
de bacalhau seco, de biscoito escaldando no forno
mas lá se vão a lona azul do circo, o rio e suas canoas
E ainda escuto o canto do pássaro ferreiro nas tardes de sol e calor
o batuque dos candomblés invadindo as duras madrugadas
as penitências para pedir chuva
mas o verdadeiro pecado era jogar bola na barroca das ruas
Respiro o vento nordeste e estou em plena festa de Cosme e Damião
nos caminhões de romeiros para Bom Jesus da Lapa
na missa dominical, na semana santa com cuscuz e canjica
mas o sino da igreja matriz chama pelos fiéis
A minha alma viaja no vento na brisa que sopra de lá de longe
e eu mesmo desapareço nas procissões, vou à feira
mas fujo do Beco do Funil onde aparecem fantasmas à meia-noite
E acordo sentado na porta da rua da minha infância
feita de quintais e frutas, pitanga, carambola, manga espada,
tamarindo, jenipapo, caju e serigüela
espalhadas pelo chão dessa varanda em que escrevo versos
como se fosse o último dia da minha vida
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