Quase Jequitinhonha

Publicado por Wesley Pioest 28 de março de 2012

Wesley Pioest para (e com) Claudio Bento

O vento nordeste veio bater aqui nesta varanda

e súbito eu estava na beira do rio da minha infância

mas se eu sonho pode ser até mesmo um precipício

Olho o vento e vejo os ariris e sinto o cheiro daquela chuva

e brinco na praia povoada de seriemas e garças

mas se quero fugir com os tropeiros eles já se foram

Fecho os olhos e deixo as lembranças me visitarem

a folia de reis adentrando a casa da minha avó

a dança do boi janeiro, as lavadeiras e seus cantos de sereias

mas enterrei na cacimba o milagre da água

Ainda guardam meus ombros um pouco do cheiro de lambari

de bacalhau seco, de biscoito escaldando no forno

mas lá se vão a lona azul do circo, o rio e suas canoas

E ainda escuto o canto do pássaro ferreiro nas tardes de sol e calor

o batuque dos candomblés invadindo as duras madrugadas

as penitências para pedir chuva

mas o verdadeiro pecado era jogar bola na barroca das ruas

Respiro o vento nordeste e estou em plena festa de Cosme e Damião

nos caminhões de romeiros para Bom Jesus da Lapa

na missa dominical, na semana santa com cuscuz e canjica

mas o sino da igreja matriz chama pelos fiéis

A minha alma viaja no vento na brisa que sopra de lá de longe

e eu mesmo desapareço nas procissões, vou à feira

mas fujo do Beco do Funil onde aparecem fantasmas à meia-noite

E acordo sentado na porta da rua da minha infância

feita de quintais e frutas, pitanga, carambola, manga espada,

tamarindo, jenipapo, caju e serigüela

espalhadas pelo chão dessa varanda em que escrevo versos

como se fosse o último dia da minha vida

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