Nenhum a Menos!

Publicado por Maria Fátima de Sousa 8 de setembro de 2010

Ao ler e ouvir as propostas dos dois candidatos com maior intenção de votos à presidência da República sobre a saúde, fico com a sensação de que eles continuam sem propostas, melhor, com as velhas idéias de construir unidades de saúde. Um fala de 500 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), outro, 154 Assistências Médicas Ambulatoriais (AMAs) e há ainda os Ambulatórios Médicos de Especialidades (AMEs).

Mais construção para quê? De que saúde estão falando? De que sistema? De que modelo? De que financiamento? Ninguém sabe dizer… E mais grave, se perguntarmos a cada um em seus debates e entrevistas qual será a função social e epidemiológica dessas unidades, quem responde? Alguns diriam: as UPAs, AMAs e AMEs fazem as mesmas coisas, atendem pacientes em quadros de menor gravidade nas áreas de clínica médica, pediatria e cirurgia geral ou ginecologia. Atendem, sobretudo, casos como febre, alergia, pressão alta, gripe, pequenos ferimentos, inalação, curativos, eletrocardiograma, cauterização e retirada de pontos.

Eu diria que essas ações já fazem parte das responsabilidades sanitárias das Equipes do Programa Saúde da Família (PSF). Mas o PSF, não é novidade. Nesse não se pode falar. Nasceu em 1994, no governo Itamar Franco. Devo falar algo “novo”, algo que seja a “minha” proposta, “eu” inventei, tem “meu” DNA, “minha” digital. Será que é assim que pensam os presidenciáveis?

Porquê lembrá-los que o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS/PSF) é herança de idéias revolucionárias, de sonhos de sanitaristas que vêm, historicamente, defendendo outra forma de pensar e fazer saúde, isso eles já sabem. Que o PACS/PSF vai para além dos procedimentos de doenças, das fogueiras de vaidades político-partidárias e corporativas isso eles já sabem. Afinal já conviveram com vários desses sanitaristas.

Dizer a eles que o PSF é fundamentado em uma nova ética social e cultural, e que luta a cada governo para firmar-se enquanto uma política de estado adiantaria? Afirmar que o PSF deseja, desde sua origem, há 16 anos, tornar-se de fato o coordenador do sistema, serviços e ações integradas de saúde, mudaria as propostas dos presidenciáveis? Pois eles sabem e já viram de perto os ganhos das Estratégias do PACS/PSF em saúde e vida dos indivíduos, famílias e comunidades.

Eles viram de perto esses profissionais cuidando das famílias de forma carinhosa, respeitosa e digna. E mais, aprendendo com elas que não basta viver, é necessário viver bem e feliz. Isso exige coragem, dedicação e incansável jornada. Isso também eles já sabem. Por isso, esse artigo traz em seu título “Nenhum a Menos”, parafraseando o filme do cineasta chinês Zhang Yimou, de 1999. Nele, a professora substituta Wei Minzhi, de 13 anos, uma criança entre tantas, teve a coragem de enfrentar as diversidades da cidade grande para trazer de volta seu aluno.

Faço essa conexão fictícia com o PSF para lembrar que no Brasil 240 mil Agentes Comunitários de Saúde (ACS), 32 mil equipes do PSF, 20 mil equipes de saúde bucal e 1.158 Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), atuando em 5.357 municípios brasileiros buscam, incansavelmente, por cada indivíduo, prestando atenção à saúde, cuidando do seu estado de diabetes, hipertensão, hanseníase, alcoolismo, tabagismo, dengue, pré-natal, aleitamento materno e tantas outras ações.

Esses profissionais, aliados às famílias e comunidades lutam para trazer de volta os objetivos originários do PSF:

(1)  prestar, na unidade de saúde e no domicílio, assistência integral, resolutiva, contínua, com resolubilidade e boa qualidade às necessidades de saúde da população adscrita;

(2)  intervir sobre os fatores de risco aos quais a população está exposta;

(3)  eleger a família e o seu espaço social como núcleo básico de abordagem no atendimento à saúde;

(4)  humanizar as práticas de saúde através do estabelecimento de um vínculo entre os profissionais de saúde e a população;

(5)  proporcionar o estabelecimento de parcerias através do desenvolvimento de ações intersetoriais;

(6)  contribuir para a democratização do conhecimento do processo saúde/doença, da organização dos serviços e da produção social da saúde;

(7)  fazer com que a saúde seja reconhecida como um direito de cidadania e, portanto, expressão da qualidade de vida e;

(8)  estimular a organização da comunidade para o efetivo exercício social. Esses são os valores e princípios que orientam o PSF.

Nessa direção seria importante que os presidenciáveis recordassem que os recursos do Brasil são os mesmos, necessitam ser bem investidos. Investidos não em prédios, em construções (mais unidades de saúde), e sim em gente! Lembre-se que a exemplo da simples escola, onde o giz, instrumento de trabalho dos educadores, era ciosamente cuidado e economizado, assim deveria ser a saúde. Unir-se aos demais gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), estaduais e municipais, nas pequenas, médias e grandes cidades, em uma agenda combinada e solidária, rumo ao fortalecimento do PSF esse integrando as UPAs, AMAs, AMEs, Hospitais Universitários e Santas Casas, quando necessárias. Este é o melhor caminho. Isso eles já sabem, só falta a humildade e a coragem da menina-professora Wei Minzhi de saber lidar com o passado, ampliando no presente os caminhos para o futuro do Brasil que queremos. Por isso Nenhum a Menos! Todos em redes integradas por uma saúde digna das famílias brasileiras.

Comentários
  • Maria Fátima de Sousa 4970 dias atrás

    Cara Sânia
    Muito obrigada pela leitura criteriosa do meu artigo. Você pode ajudar a divulgá-lo, assim os gestores publicos do SUS leem em tempo de refletir…
    Com carinho
    Profª Maria Fátima de Sousa

  • Sânia Campos – BH 4971 dias atrás

    Muito bom! Queria que todos administradores públicos lessem este artigo. Estou cansada de ouvir tantas inovações e modas em discursos técnicos confusos e mirabolantes desenhos de políticas públicas.”Fogueiras de vaidades político-partidárias e corporativistas”, tão bem colocada pela autora. Falta humildade e maior escuta! Ler este artigo me trouxe esperanças: ainda há lucidez e muitos percebem a necessidade de se repensar o agir e fazer nas políticas sociais hoje. O aparente “consenso” atual não vai abafar e sufocar outros olhares e práticas.

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