Quando o pobre dá lucro…

Publicado por Antonio Carlos Santini 15 de março de 2023

Operários, Tarsila do Amaral
Operários, Tarsila do Amaral
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Por volta dos anos 30, as Indústrias Matarazzo – que davam emprego a 6% dos trabalhadores do Estado e tinham a segunda maior arrecadação do país, abaixo apenas da Receita Federal – abriram nova fábrica em uma cidadezinha do interior de São Paulo. Os operários foram contratados dentre a população da região, eminentemente rural.

Acostumados a uma vida simples e sóbria, os operários chegaram com seus tamancos e suas botinas ringideiras. Os salários eram excelentes para a região. Trabalhavam de segunda a quarta e, depois, simplesmente faltavam ao trabalho, pois já tinham o suficiente para sustentar a família.

O conde Francisco Matarazzo coçou a cabeça:

– Assim, minha fábrica não pode funcionar!

E tomou uma decisão de pura astúcia: convenceu um grande magazine da capital a abrir uma filial na pequena cidade. Pela primeira vez, os capiaus viam aquelas vitrinas coloridas, iluminadas, povoadas de mercadorias sedutoras, como liquidificador, batedeira e ferro elétrico. Naturalmente, as esposas pressionaram os maridos. A loja vendia a prestação, e os operários endividados passaram a trabalhar de segunda a sábado, para satisfação do senhor conde…

Assim, os pobres passavam a dar lucro.

A situação atual não parece diferente. O consumo de supérfluos ainda faz a fortuna de muitas empresas. Os gastos dispensáveis continuam avermelhando as finanças de muita gente. A máquina da propaganda – hoje azeitada pelos conhecimentos da psicologia humana – remexe com a pia-máter do povo e o convence:

– Você já tem? Não tem? Só você não tem? Compre já!!!

E assim – com a ajuda do capeta, hábil inventor do cartão de crédito – o porcentual de famílias endividadas no país vai crescendo em ritmo acelerado, encerrando o primeiro semestre de 2022 em 78% – o maior patamar da série histórica para o período desde 2010. Vale lembrar que, em junho de 2020, o nível de endividamento das famílias era de 67%, passando para 71% em junho de 2021.

Lembro-me dos ônibus de Belo Horizonte: moçoilas pobres a caminho do trabalho, espremidas como sardinhas na lata, mas trazendo 5 ou 6 anéis nos dedos. Penso nos gastos com o barzinho, o futebol, a cerveja e outras consolações da vida moderna. Em 2019, o faturamento da indústria de cosméticos chegou a 29,62 bilhões de dólares! Quanto desperdício, gerador de dívidas, preocupações e… escravidão!

Se gastamos menos, precisamos de menos e, em consequência, somos mais livres. A tática de despertar necessidades fabrica uma legião de escravos, submetidos a trabalhos que não têm nada a ver com alguma vocação pessoal, com aquela “inclinação” que os faria felizes. Tal como no samba de Paulinho da Viola, inclinado a ter um violão e se tornar sambista: “E meu pai me aconselhou: sambista não tem valor nesta terra de doutor… e, seu doutor, o meu pai tinha razão…”

Em seu livro contra a correnteza – “O dever da imprevidência”, Ed. AGIR, 1968 -, Isabelle Rivière falava sobre as “quinquilharias que nunca nos satisfazem e para cuja conservação, aumento e embelezamento empregamos e gastamos nossas forças – quando mal acabamos de pagar a nova pintura da sala e as poltronas já estão mostrando o forro! -, todas essas bagatelas imperfeitas que nos foram dadas apenas por empréstimo e que bem depressa temos de devolver”.

Lá fora, o sol está brilhando. As aves cantam. As crianças correm no parque. Mas temos dívidas a pagar. Nada disso é para nós…

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