Por uma subjetividade erótica – parte I

Publicado por Bill Braga 11 de maio de 2018

Por uma subjetividade erótica – parte I

Osho, nome pelo qual ficou conhecido o guru indiano, Rajneesh Chandra Mohan, foi um perseguidor incansável de ortodoxias, tradições e status quo moralizantes, repressores e alienantes. Se, por um lado, sua visão de uma espiritualidade encarnada no corpo e livre de dogmas e tabus se insurgiu contra uma ordem repressora e dominadora na India da sociedade de castas ou nos Estados Unidos, potência do capitalismo mundial, por outro, suas propostas careciam de uma dimensão política explícita. Osho costumava vociferar contra políticos, sacerdotes e educadores, que segundo ele moldavam um ser humano esquizofrênico, cindido entre corpo e mente. Para superar essa cisão ele propunha técnicas meditativas ativas que reintegrassem o homem numa espécie de condição essencial, holística, corpo, mente e espírito alinhados num só próposito: deleitar-se da existência.

Mas se o guru vociferava contra as autoridades constituídas, suas experiências de comunas espirituais acabaram por desenvolver um caráter político inerente ao próprio incomodo que representavam, espécie de espinho na sociedade capitalista pós-segunda guerra. Assim, a experiência de Rajneesh, como era conhecido à época, de uma vida comunitária com seus discípulos colocada em prática em Oregon, nos EUA, rapidamente se converteu numa nova forma de autoritarismo e alienação. De tal modo que o rajneeshianismo apareceu como uma espécie de nova religiosidade, configurando numa conversão dos ideais libertários de Osho em uma nova forma de dominação e tentativa de implementação, seja por via da força, seja pela penetração na política local, na marra, de uma outra experiência de vida comunitária. Pode-se dizer que a utopia – ou heterotopia anárquico-mística de Osho, durante os anos em que se manteve em silencio e relegou o comando da comunidade à Sheela, sua secretária, tomou os mesmos rumos autoritários que o comunismo pós-revolução russa. Aniquilando a espontaneidade, hierarquizando as tomadas de decisões e mesmo se infiltrando na política local da cidade que passou a se chamar Rashneejpuram, no condado de Wasco.

Não deixando, portanto, de ser permeada por contradições, a vida e as ideias do playboy espiritual, como Osho se denominava, não deixam de trazer à tona dimensões importantes da luta contra a repressão sexual, a dominação e a busca incessante de uma liberdade individual, pautada na espiritualidade e na expressão genuína de afetos e corporalidades numa vida em comum. Além disso ele propunha uma nova pedagogia libertária, valorizando a criança como potente anárquica da sociedade, contra o autoritarismo e disciplina propostos pela educação tradicional dos moldes capitalistas e socialistas.

Indo um pouco além, vale traçar aqui um paralelo entre os “ensinamentos” e as inspirações de Osho e a Soma ou somaterapia, uma terapia-pedagogia libertário-anarquista mística, desenvolvida em terras tupiniquins por Roberto Freire, nascido Joaquim Roberto Corrêa Freire (1927-2008), médico-psiquiatra, jornalista e escritor paulista. Assim como Osho, Freire foi perseguido pelas forças oficiais reacionárias, ambos foram encarcerados e permaneceram à margem da vida acadêmica. Se Osho foi professor de filosofia e grande erudito antes de se tornar um guru, Freire manteve-se próximo a uma certa intelligentsia ainda que sempre mantendo uma postura herege, marginal e rebelde. Relegados ao ostracismo pela ciência cartesiana e ainda com resquícios positivistas de nossa época, ambos buscavam uma nova forma de ser e se relacionar com o mundo e com outras pessoas, pautada na importância da dimensão somática do ser humano: se a sociedade cria um ser humano esquizofrênico, cindindo-o em corpo e razão, criando mecanismos de controle que impedem a vivência plena do prazer, Osho, a seu modo com o que poderíamos denominar como um anarquismo místico e Freire, com sua proposta de um anarquismo somático desenvolveram métodos e técnicas terapêuticas que se propunham a explodir essa cisão para reunir as polaridades dos homens numa plena expressão, corporal e psíquica, somática, enfim, de seu potencial criativo e erótico. Uma subjetividade erótica e anárquica que se inspira em um pensador que foi uma das principais influências dos dois, Wilhem Reich.

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