Tarde ainda que

Publicado por Antonio Ângelo 23 de agosto de 2019

Tarde ainda que

Marília está na cidade
Em meio ao caos
Vemos quando –
No canteiro da grande avenida –
Posa para fotos

À direita e à esquerda
O furor dos veículos
Gás carbônico, odores, buzinas, sirenes
No sinal à frente, em tempo medido
Transeuntes entrecruzam-se nas faixas

Veste um longo negro
Faz poses, expressões, bocas
Puxa o cabelo para frente
Dobra a perna, a coxa à mostra
O fotógrafo explorando ângulos

Quantos parados a observá-la!
Imagem incomum no turbilhão da urbe
Parece a visão do inimaginável
Sereia exilada de um mar
Que não se adivinha além

Traz nos seus dezessete anos aparentes
Inesperados sinais de madureza
Um olhar em que se pode perceber
Experiência de degredos – enquanto os braços
Se elevam no ar esfumaçado
Como esculturas contra os edifícios

De dentro de um ônibus alguém assovia
Um rapaz, na moto, estaciona próximo
E fica a observar a encenação
O trânsito complica-se
Tantos que se põem a admirar a performance
Naquele teatro de improviso

Terminada a seção de fotografias
Ela pula na garupa do motoqueiro
E lá se vão, Marília e Dirceu
Ziguezagueando em meio ao tráfego
Enquanto a tarde projeta dardos rubros
A perfurar o casulo de poluição
Que envolve e sufoca a metrópole

Comentários
  • Wesley 1902 dias atrás

    Meu caro AA, que maestria! Você não precisa de anjos a sussurrar poemas no ouvido, já os leva consigo. E fotografa como ninguém a paisagem descrita no poema, que vemos com nitidez e profundidade. Ergo sum.

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