Verdes Campos da Minha Terra

Publicado por Sebastião Verly 4 de julho de 2012

Na penúltima década do último milênio, depois de me sujeitar a trabalhar em vários canteiros de obras de grandes construtoras em locais isolados, eu estava com uma boa reserva em dinheiro, apurei mais um tanto com a venda de alguns imóveis que adquiri na capital e decidi voltar para minha pequena cidade natal no interior.

Feliz da vida, eu me vangloriava: agora vou ter vida, gente simples e boa vai me cumprimentar, eu com a minha experiência vou ser amigo dos vizinhos, participar da vida da comunidade, vamos fazer uma das mais belas cidades para se viver.

De início, preferi alugar uma casa até conhecer melhor a cidade de onde saíra há um quarto de século. Logo de início assustei-me com o valor que me pediram pelo aluguel. Resistir como? Não existiam muitas casas disponíveis. “Foi sorte”, me disseram os parentes “encontrar uma casa tão boa à minha disposição”. Em seguida precisava de uma empregada, pois meu filho tinha poucos dias de nascido. As que apareceram pediam três salários mínimos. Nesse caso, como o imóvel possuía uma dependência de empregada, preferi levar uma moça da capital a quem pagava a metade do que me foi pedido pelas trabalhadoras locais.

Seria possível relacionar uma dezena de serviços e materiais que tive de pagar um valor equivalente ao dobro do que estava acostumado a pagar na Capital. Comprei um estabelecimento comercial e procurei treinar as vendedoras. Selecionei moças com o segundo grau completo, mas falavam um português tão precário que me senti desanimado de treiná-las em atendimento aos clientes.

Pelo outro lado, chovia gente na minha loja para pedir contribuição financeira para todas as causas imagináveis. Basta dizer que era o primeiro ano do carnaval que mais tarde ficou famoso no Brasil inteiro e eu fui um dos maiores financiadores do evento.

A cidade, em virtude das estradas de terra à sua volta ficava envolta por uma camada de fina poeira vermelha. Além de sujar a casa, objetos e roupas, adoecia as pessoas. Quando procurei um médico para meu filho, que gripava continuamente, não encontrei na cidade um especialista em pediatria. Os médicos eram mais queridos e afamados, não por seus feitos heróicos de atendimento sem recursos, mas, pela simplicidade natural ou por se misturarem nas turmas de bebedeiras.

Ao fazer as compras para o suprimento da casa eu me sujeitava aos poucos produtos e marcas existentes. Ainda me lembro de algumas vezes em que procurava frutas, raízes e verduras e as pessoas riam de mim, quando jogavam na minha cara: “caia na real, você está no interior e não na capital”.

Apesar do acesso aos mesmos meios de informação que temos na Capital, não encontrava com quem trocar uma idéia. O cinema havia deixado de existir há pouco tempo, teatro nem pensar. Música, ainda podíamos ouvir os cantores e instrumentistas locais de razoável qualidade para aquela gente simples. Lembro-me de que em outra época e local, o grande João do Vale me foi apresentado num bar, junto com alguns cachaceiros que se identificavam com ele.

Fiz um churrasco para comemorar o batizado do meu filho. Consegui que comparecesse meu amigo Alisson que já morava há anos na Capital e o pai dele, que foi em uma atenção especial. Procurei convidar alguns conhecidos, mas tive de me sujeitar ao horário mais conveniente, fora das novelas famosas da TV. Consegui fazer amizade com uma jovem com quem me identifiquei na busca da valorização do artesanato local. Conversamos com o Prefeito e alguns vereadores sem obter nem compreensão nem apoio.

Lembrei-me do caso de um ex-professor da Sorbonne que, ao se aposentar, teve também o sonho de morar no interior. Depois de passar por tudo que passei e muito mais, na França, seu país, voltou para Paris e escreveu um livro: “La mer de la provence”, em que usava o duplo sentido da expressão para criticar a doce ilusão de voltar às origens.

Desfiz o contrato de aluguel, dei ou vendi tudo que havia adquirido para viver ali e voltei para a Capital. Logo depois, meu irmão caçula, com suas risadas maliciosas, contou-me uma historinha para reforçar meu ponto de vista sobre a nova gente que habitava a cidade onde nasci.

Segundo ele, Enok, um excelente barbeiro de uma cidade relativamente maior, em passeio àquela localidade, conheceu uma linda moça, a Neuza, e logo decidiu pedi-la em casamento. As bodas foram simples, mas bastante concorridas já que o irmão da moça era político e a festa mostrou fartura para os convidados.

Enok crescia na cidade e seu salão de cabeleireiro chegou logo ao topo. Uma simpatia o jovem! Logo, logo, alguém pensou que ele seria um bom candidato a vereador, para trazer votos para o Partido da situação. Tanto mexeram com a vaidade do forasteiro que ele resolveu aceitar.

Para certificar-se da vitória, que dependeria de aproximadamente 200 votos, ele cortava de graça o cabelo de todo cliente que prometia votar nele. E ele anotava o nome da pessoa.

Na véspera de eleição sua lista contava com quase trezentos votos “garantidos”.

Ele então, em sua pureza e humildade, acertou com a esposa: “- Olha, Neuza, eu tenho votos mais do que suficientes para me eleger. Assim você vota no seu irmão e eu voto no Chiquinho Azul que é meu melhor amigo na cidade”. Os dois eram de outro partido político, de oposição.

“- Só você mesmo para ser tão bom”, comentou a esposa.

Veio o domingo dia da eleição e, na mesma noite, a apuração.

Enok não teve nenhum voto.

No dia seguinte, segunda feira, ele abriu o salão como de costume e começou a embalar suas ferramentas, apetrechos, espelhos, cremes e loções. Um morador que passava e viu aquele movimento diferente no salão perguntou:

“- Uai, Enok o que é que você está fazendo? Mudando o salão de local?”

E o Enok em quase depressão:

“- Estou mudando de cidade. Nunca vi um pessoal tão falso e fingido como o desta cidade.” E voltou para sua cidade de origem.

Meu irmão não me disse se levou com ele a linda esposa que era da cidade…

Comentários
  • Márcio Campos 3796 dias atrás

    Excelente, estou adorando ler as crônicas. Meu pai, João Resende, foi candidato a vereador nessa ocasião também e, embora pareça piada,o caso do Enok é real.

  • Hugo Borgno 4266 dias atrás

    Otra deliciosa crónica de un excelente escritor y gran amigo.
    Sus escritos me llevan espiritualmente al lugar que con tanta precisión describe de forma que leerlas me parece estar viviendo el momento en el lugar preciso. Ello es por la calidad de este escritor que además es un humanista de primer nivel. Sé que su pluma describe hechos que ha vivido y eso es emocionante. Pero más aún cuando esta prosa es tan rica, riquísima, que da un placer discurrir en su lectura.
    Gracias Sebastián por tu dedicación a las letras, es un alimento para el espíritu que aprecio muchísimo.

    • verly 4265 dias atrás

      Grande amigo. Não pode imaginar a felicidade

    • verly 4265 dias atrás

      Grande Borgno, nme pode imaginar a felicidade que tive ao ver seu comentário. Oh

    • verly 4265 dias atrás

      Mandarei por e-mail um agradecimento. Aqui começo e o sistema interrompe. Quero que saiba o tanto que o prezo estimo e considero.
      Seja feliz. Abraços.
      Verly

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