Doutor Chiquinho – parte 2

Publicado por Sebastião Verly 7 de dezembro de 2010

Conhecido partidário de convicções antiliberais, Francisco Campos tornou-se um dos elementos centrais nos preparativos da implantação do Estado Novo. Às vésperas do golpe de 10 de novembro de 1937, Vargas fez dele seu ministro da Justiça, quando encarregou-o de elaborar a nova Constituição. O jurista justificava o matiz autoritário dizendo que a instabilidade social se instaurara no país. A revolta comunista de 1935 e a Integralista que veio a eclodir no ano seguinte, 1938, reforçavam seu ponto de vista. Para ele, o liberalismo democrático, centrado na crença da liberdade de expressão e de pensamento, entrara em franca decadência, como evidencia a coletânea de textos de sua autoria publicada na obra “O Estado Nacional”, de 1940, e que expressa bem tal convicção.

Ainda na visão de Campos, o rádio, a imprensa e a propaganda em geral seriam capazes de levar a opinião pública a um “estado de delírio” e de “alucinação coletiva”, facilitando a adesão da população ao ideário subversivo, notadamente às idéias socialistas. Um antídoto contra esse perigoso processo, na sua opinião, era o cultivo do “mito da personalidade”: a política de massas que se inaugurava incluía o clamor por um “César” capaz de conduzi-las.

Em seguida Campos foi nomeado Consultor Geral da República. Além de muitas obras teóricas do Direito, foi responsável pela redação de alguns dos mais importantes diplomas legais da história brasileira, os Códigos Penal e de Processo Penal (1941) cuja “Exposição de Motivos”, de sua lavra, é notável. Também é de sua autoria a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (1943), bem como o primeiro diploma sobre direito do consumidor, o Decreto-lei que define os crimes contra a economia popular.

Cabelos grisalhos, fala fluente, mansa e muito firme, quando o conheci era um velhinho simpático. O Doutor Chiquinho como todos o tratavam na Cidade, adotou Pompéu como sua terra do coração. Sua, fazenda, o Indostão, a meio caminho do Distrito de Buritizal, hoje Silva Campos, em sua homenagem, era onde ele sempre vinha para descansar, jogar baralho e também conversa fora. Era gerenciada por um administrador profissional. Foi pioneiro na região na criação de gado zebu, que importava diretamente da Índia.

Certo dia, aos 74 anos de idade, ele jogava “buraco” com o amigo e médico Dr. Deusdedit Ribeiro de Campos a quem sempre convocava para ir ao Indostão quando lhe perguntou à queima-roupa: “Vocês não têm vontade de construir um hospital aqui em Pompéu?”. O médico, que era diretor e clínico da Santa Casa de Misericórdia, que apesar do nome funcionava em uma pequena casa alugada, respondeu assustado: “É claro! É só arrumar o dinheiro”. “- Vocês organizam a diretoria com estatuto e tudo e me procuram no Rio”. Dito e feito. Junto com o prefeito Levi Campos o médico entrou em um carro e foram “apear” na Praia do Flamengo. Depois de uma breve recepção Dr Chiquinho telefonou para o ministro da saúde, que naquele ano de 1964 ainda ficava no Rio. O ministro, que os atendeu na hora, providenciou uma dotação orçamentária para o projeto. O deputado estadual pompeano Carlos Eloy conseguiu uma suplementação da CODEVASF, Companhia de Desenvolvimento do Vale do Rio São Francisco para ajudar na construção. O vigário Padre Bertoldo Van Zee, conseguiu uma verba, de seu país, a Holanda, dizem que era sua herança familiar, e assim Pompéu ganhou um hospital com 34 leitos. O Dr. Deusdedit, hoje historiador da região, conta este e outros casos em seu livro “Dona Joaquina do Pompéu, sua história e sua gente”, edição independente de 2003. O livro, de 942 páginas em três volumes, além da história, tem o nome de todos os descendentes da Sinhá Brava, como era conhecida a matriarca, atualizados até a data da publicação.

Era ali do Indostão que o Doutor Chiquinho mais influía nas decisões da UDN nacional. Na solidão da varanda do casarão colonial, cercada de tamarindos, jatobás, jenipapeiros, birosqueiras, entre os trinados e gorjeios de curiós, canários chapinhas, sabiás, patativas e pintassilgos, o cheiro ancestral do curral, o estalar das tramelas das porteiras, o aboio dos vaqueiros, o tropéu das mulas, o mugido dos gir, dos guzerá, dos indubrasil ele lapidava as peças do arcabouço institucional do país. Segundo os amigos ali havia livros de todos os assuntos esparramados por todos os lados.

Chegava na cidade com um daqueles carrões pretos chapa branca importados dirigido por um motorista negro. Cabelo sempre bem aparado e uma característica exclusivamente dele eram as calças bastante curtas, então, chamadas “pega-frango”, foi sem dúvida o precursor desses bermudões modernos. Ele gostava muito de roupas de linho de tom bege. O primeiro café “amargoso” era sempre no canto do fogão à lenha da casa do meu tio Xisto, líder da UDN local, onde ele se sentia à vontade. Logo na sala de visitas dois grandes retratos um ao lado do outro: o dele, Francisco Campos e o outro do governador Milton Campos. De quebra os dois primeiros netos homens de meu tio receberam os nomes dos dois udenistas.

Uma curiosidade, não houve apenas um, mas dois Franciscos Campos. Eram irmãos. Francisco José da Silva Campos, o mais velho, era denominado pelas más línguas “Chico Burro”. Francisco José morou muitos anos em Abaeté, limítrofe com Pompéu e Dores do Indaiá. No entanto, apesar do apelido, o irmão era homem de notável inteligência, excelente matemático, de uma prosa cativante, no que era acompanhado por sua esposa, D. Laura. Francisco Luís, o “Chico Ciência”, disse, certa vez, que – sendo ele e seu irmão filhos do mesmo pai e da mesma mãe, suas aptidões e tendências eram diferentes. Adiantava que, no campo das ciências exatas seu irmão era muito superior a ele. Francisco José foi o primeiro prefeito de Pompéu.

Numa das vezes que chegou a Pompéu queria um funcionário para levar para o Rio de Janeiro, onde tinha um apartamento na Praia do Flamengo para cuidar da Biblioteca. Naquele ano, o jornal Tribuna da Imprensa divulgou nota na qual afirmava que sua biblioteca possuía mais de 150 mil volumes. Levou o Chico, um negro de pouco mais de 20 anos, morador de uma ponta de rua, pois lá ainda não tinha bairros, para limpar e recolocar os livros na estante. O Chico não agüentou o trabalho e a vida no Rio e voltou para Pompéu para trabalhar na enxada.

Sobre o Doutor Chiquinho existem muitas lendas. A primeira é a de que ele, como Ministro da Justiça, criou um decreto que permitia a quem tivesse a mulher louca requerer a anulação do casamento. E tão logo desfez o seu casamento revogou o decreto. Outra estória foi quando os filhos de um influente líder da UDN de Pompéu mataram uma pessoa na vizinha Abaeté. O pai enviou-lhe um telegrama no Rio pedindo que ele fizesse a defesa dos rapazes ou indicasse um bom advogado para fazê-la. Dizem que ele respondeu o telegrama orientando ao correligionário e amigo que contratasse um simples rábula da região o que desvalorizaria o crime. Dito e feito: os moços foram absolvidos e saíram livres.

Doutor Chiquinho contou certa feita que, no dia 9 de novembro de 1937, chamou ao seu apartamento no Rio o jornalista Assis Chateaubriand e lhe informou que, no dia seguinte, iria ser promulgada a nova constituição, decretada pelo Presidente da República. Colocou Assis Chateaubriand de frente para um foco luminoso, ficando ele, Francisco Campos, do lado da penumbra, de onde pôde observar as reações do jornalista. Ao ter conhecimento do assunto, Chateaubriand disse que no dia seguinte a tal ato de força seus jornais iriam desencadear uma reação contra o golpe, alertando o país para a gravidade de tal ato. Francisco Campos apenas lhe disse: “sua alma, sua palma”. No dia seguinte ao da promulgação, toda a cadeia jornalística dos Diários Associados defendeu com entusiasmo a nova Constituição.

Em 1964, participou indiretamente das conspirações contra o governo Goulart. Após a implantação do regime militar, voltou a colaborar na montagem de um arcabouço institucional autoritário para o país, participando da elaboração dos dois primeiros Atos Institucionais baixados pelo novo regime (AI-1 e AI-2 ) e enviando sugestões para a elaboração da Constituição de 1967. Morreu em Belo Horizonte em 1º novembro de 1968, ou seja, um mês antes da edição do AI-5, cuja lavratura muitos chegaram a lhe atribuir.

Comentários
  • Manoel – Goiânia – GO 4904 dias atrás

    Há uma história no livro do Dr Deusdedit Ribeiro Campos “Dona Joaquina do Pompéu, sua história e sua gente”, citado no artigo, que merece ser lembrada. Logo que houve o golpe militar em 1º de abril de 1964, o então presidente da Câmara Federal, deputado Ranieri Mazilli, do PSD de São Paulo, assume a presidência da república, mas a função era puramente formal, pois formou-se uma junta chamada “Comando Supremo da Revolução”, liderada pelo general Costa e Silva, e que tinha também o Almirante Augusto Rademaker Grunewald e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo. Essa junta é que de fato exercia o poder, Ranieri apenas despachava. Esta transição durou até o dia 15 de abril quando tomou posse o Marechal Castelo Branco. Logo em seguida ao “movimento revolucionário” Ranieri Mazilli estava no Rio de Janeiro acompanhado do presidente do senado, Aldo de Moura Andrade, quando ficaram sabendo que o general Costa e Silva estava visitando o Chico Campos em seu apartamento da Praia do Flamengo. Imediatamente rumaram-se para lá, foram logo entrando, e Mazilli perguntou ao general Costa e Silva o que eles estavam pensando em fazer com o Congresso Nacional. Inexperiente, o general faz um sinal com a cabeça para o Chico Campos responder. Este olha para o Ranieri e o Aldo e os despacha de primeira: “Vocês aguardam uns dias e ficarão sabendo”. Ele havia se incumbido de redigir o que viria a ser chamado “Ato Institucional nº 1” ou simplesmente AI-1.
    Agora uma 2a. história: um parente meu, já falecido há muitos anos, de nome Manoel Afonso, era fazendeiro em Buritizal, perto da fazenda do Chico Campos, no município de Pompéu, e sempre era convidado para jogar “buraco” até altas horas. Uma certa tarde, no dia seguinte a uma dessas noites de carteado, ia passando por lá, apeou do cavalo e foi procurando um café, quando o Chico Campos mostrou lhe um maço de papéis e leu para ele trechos do que seria o famigerado AI-1 e disse: “Olha Manoel isso aqui eu escrevi depois que vocês foram embora. O Brasil agora vai ser diferente, vai ter ordem!”. O meu parente disse que naquele momento teve uma vontade danada de matá-lo.

    • antonio carlos LOCÔ 4903 dias atrás

      Caro Manoel gostaria muito e tb preciso contatar me com vc se vc é afonso parente de manoel afonso preciso ede dados seu e de seus familiares para nosso livro da familia. Peço ao editor do portal que te passe meu email, pois nós iremos atualizar as histórias da família.

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