Guerra dos Emboabas – Parte II Minas do Ouro, Terra Síntese do Brasil

Publicado por Padre Joao Delco Mesquita Penna 15 de julho de 2021

Guerra dos Emboabas – Parte II

Segundo o historiador Leonardo José Magalhães Gomes, “A Guerra dos Emboabas é um exemplo importante do contexto político e da diversidade étnica, cultural, social e institucional que marcaram a história de Estado de Minas Gerais.”

Neste segundo artigo sobre o tema dos trezentos anos da Guerra dos Emboabas e da instituição jurídica do Estado de Minas Gerais, queremos focar nossa reflexão no significado histórico, sua contribuição e legado, que é o marco fundamental para compreendermos a múltipla formação étnico-cultural-social-institucional da civilização mineira.

Entre os dados transmitidos ao longo da nossa história permeia a mentalidade que o Brasil sempre foi o país da passividade e do conformismo, longe das guerras e conflitos. Na verdade, esta afirmação não condiz com os fatos que pudemos apurar.

Basta dizer que durante o período colonial o território brasileiro viveu momentos tensos com diversos conflitos conhecidos como levantes, motins ou revoltas nativistas, que foram acontecendo ao longo do tempo por diferentes motivos. Para exemplificar, temos em nossos registros históricos as revoltas nativistas de indígenas na luta pela manutenção da posse de suas terras, revolta de escravos por liberdade e ainda confrontos por motivos comerciais, sociais, políticos e econômicos.

Nenhum outro movimento nesse período pode ser comparado à Guerra dos Emboabas, por seu caráter ao mesmo tempo revolucionário, catalisador e instituidor, que resultou na criação da província das Minas do Ouro e consequentemente a formação do futuro Estado de Minas Gerais com sua rica diversidade étnica, cultural, social, além de sua potente institucionalidade que prevalece até nossos dias.

Como já mencionamos no artigo anterior, na concepção do historiador Isaías Golgher, influenciado pelas análises de Varnhagen, a Guerra dos Emboabas deve ser considerada “a primeira guerra civil nas Américas”. Foi uma revolta que teve como principal objetivo a disputa pela posse e domínio das riquíssimas minas do ouro encravadas nas montanhas respaldadas pelos “campos gerais”. Temos que considerar vários fatores que contribuíram para a eclosão do conflito, como a origem dos grupos e conflitos de interesse entre eles.

Ente os fatores que contribuíram para a discórdia e exaltação dos ânimos entre paulistas e “emboabas” foi a luta do português Frei Francisco de Menezes, aliado do líder emboaba Manoel Nunes Viana, para retirar dos paulistas o monopólio do fornecimento da carne a partir da rota do Rio São Francisco, embora não tivesse obtido sucesso, por ser sido vetado pelo governo da província do Rio de Janeiro.

Guerra dos Emboabas – Parte II - 1

Manoel Nunes Viana, português radicado na Bahia desde muito jovem

Mas o maior legado da Guerra dos Emboabas foi mesmo a contribuição na formação da diversidade étnica, cultural e social do povo mineiro, que passou a ser considerado síntese do povo brasileiro. Não se confirmam as crenças consolidadas no decorrer do tempo, baseadas na tradição oral e até acadêmica que a índole do povo brasileiro e mineiro, sua formação cultural, seria resultado de sua origem em grupos degredados socialmente.

Muito ao contrário chegamos à conclusão pela nossa pesquisa, que a índole mineira tem a sua origem no que havia de mais valioso, no universo do conhecimento daquela época, que foi transmitido pelos antepassados para as sucessivas gerações, amalgamando-se o espirito desbravador dos paulistas, da pujança empreendedora do nordestino, do conhecimento, da cultura acadêmica e do espírito nacional dos portugueses, da cultura e espiritualidade dos povos africanos e da sabedoria, integridade e bravura dos indígenas.

Quando a notícia da descoberta do ouro se espalhou pela colônia e pelo mundo, começaram as migrações de diversas regiões do interior do território brasileiro, mas também de Portugal e outros países europeus, povoando intensivamente a região das Minas do Ouro em busca de Riquezas, trabalho e melhores condições de vida.

Segundo a professora Katia Abud, em entrevista à TV Brasil, por ocasião da celebração dos 300 anos do Estado de Minas Gerais no final de 2020, muito rapidamente, em pouco tempo as terras ermas e desconhecidas receberam um contingente de mais de 50 mil pessoas. Os historiadores do século XVII afirmam que a Vila de São Paulo de Piratinga era muito pobre, onde a população levava uma vida dura, sem conforto, com muitas pessoas vivendo em extrema pobreza. Com a chegada das notícias da descoberta do ouro, a vila ficou sendo terra de mulheres, crianças, pessoas idosas e doentes, porque os homens válidos partiram para arriscar a sorte na mineração.

A coroa portuguesa, tendo em vista que a sede do reino era um país pequeno, pouco povoado e em processo de desenvolvimento, tentou combater a explosão migratória para a colônia, em sua maior parte para a região das Minas do Ouro, porque regiões inteiras de Portugal estavam se despovoando.

Na mesma proporção, produtores de açúcar pernambucanos, criadores de gado baianos e outros grupos da costa leste nordestina, asfixiados com a crise do açúcar, se deslocaram com suas famílias, gado, escravos e se estabeleceram na região.

O governo da Bahia também tomou a decisão de impedir ou pelo menos dificultar a passagem para as Minas via Rio São Francisco, proibindo a passagem de migrantes e criando prisões, tomando escravos, desapropriando bens e fechando as fronteiras. Toda esta agregação de povos de diferentes raças, culturas, religiões, resultou em uma riquíssima miscigenação e o ouro, por seu alto valor exigiu que a Coroa Portuguesa criasse na região das Minas um portentoso aparato institucional.

Destacamos também a grande contribuição dos homens cultos que vieram do Reino de Portugal com a experiência do conhecimento do saber acadêmico, cientifico, econômico, filosófico, cultural e as normas da doutrina e valores da religião católica, implantada pelos missionários catequizadores, com destaque para os jesuítas e franciscanos. Muitos judeus que viviam no Reino de forma desconfortável, submetidos à sufocante vigilância religiosa viram também a oportunidade de reiniciar suas vidas, de suas famílias e suas atividades empreendedoras em uma nova Terra Prometida.

Por se tratar de formação étnica não podemos deixar de considerar a grande contribuição dos povos negros africanos que chegaram na condição de escravizados, mas que traziam consigo as riquezas de suas expressões culturais e valores religiosos, assim como a influência dos nativos que há séculos viviam nestas terras com seu jeito de ser, em harmonia com a natureza, transmitindo suas crenças e valores da cultura própria, que muito ensinaram os recém chegados a conviver com a rudeza do sertão.

Nas histórias contadas ao redor das fogueiras, no empreendedorismo econômico, no barroco das Igrejas, na tradição, na religiosidade popular, no gingado, na dança, na culinária, na gastronomia, na música, na literatura e na beleza das suas riquezas naturais que encanta a alma e fascina o espirito foi forjado o espírito do povo mineiro, que passou a sonhar não apenas com a sua liberdade, mas de todo o povo brasileiro, do qual passou a ser a principal amálgama.

Tudo ao redor das Minas dos Gerais faz surgir expressões exclusivas de sua mineiridade, fruto da experiência de um passado onde o ouro aglomerou pessoas, empreendeu conhecimento, enriqueceu nações. O ouro que um dia saiu das entranhas das montanhas mineiras para financiar a Revolução Industrial na Inglaterra, enriquecendo o mundo, dando lugar a uma nova fase da história da humanidade ditada pela ciência e pela indústria, deu lugar a outras preciosidades que também nascem da terra, os sonhos, a criatividade, a paz, a alegria, a cultura, a religião, a fé, a tradição, síntese e rosto do Brasil em seu valor e originalidade.

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