A história de um homem mau

Publicado por Sebastião Verly 15 de novembro de 2022

o homem mau
São as lendas e galhofas de Pompéu. Cresci acreditando nas muitas lendas, entre elas as dos valentões, que povoavam a fantasia da minha cidadezinha. Alguns deles eu os conheci ainda que rapidamente como foi o Luiz Boca de Fogo.

Os criminosos eu nem conto, porque eu os via ali pedindo cigarros nas inocentes grades de madeira das janelas da cadeia pública que davam para a rua, naquela época ainda se amarrava cachorro com linguiça, eram mais assassinos que valentes. A cadeia, que ficava no trajeto obrigatório entre minha casa e o centro da cidade, não tinha ladrões de verdade, só pés de chinelo, cujas peripécias geravam mais risos que prejuízos.

No caso do Luiz Boca de Fogo eu o vi uma vez. Ele tinha uma restauração de toda a arcada dentária em ouro. Uma coisa vistosa, que lhe rendia a admiração curiosa das crianças e dos outros capiaus. Mas, segundo a lenda, o apelido era devido a sua destreza no manejo de armas de fogo. Fui contemporâneo de escola primária de seu corpulento filho, o Zé Ferreira, não me lembro de ter trocado palavra com o grandalhão.

Uma das lendas que um dia ruiu na minha frente foi meu vizinho João Câncio de Souza. O Câncio, como era conhecido, passava todos os dias na rua em frente à nossa casa e às vezes ouvia meu pai comentar com seus amigos que o homem era uma fera.

Eu admirava a arreata de sua mula de cor cinza. O cabresto era de uma trança fina e bem cuidada. O cabo do freio era uma trança de cedem, o cabelo da cauda, com as emendas necessárias em forma de bolas que nunca consegui descobrir de que eram feitas. Do lado, peças circulares prateadas enfeitavam a cara da mula. Em todas as partes visíveis o couro era cravejado de prata. O estribo era dos mais luxuosos e, como o par de esporas sempre brilhante, era de prata esculpida.

A mulher, Maria, queixava sempre das surras públicas que tomava do marido, muitas vezes quando ele a buscava na rua era amarrada pelos pulsos numa corda que era atada ao arreio da mula, era uma chicotada na mula e outra na Maria. Os filhos nada falavam do pai, tudo era mistério naquela mansão arruinada da ponta da rua.

Quando eu era adolescente meu primo e patrão, Lili do Xisto, contou-me uma das maiores surpresas de sua vida. Uma noite, dormia no quarto cuja janela era rente à rua, onde tinha ao lado da residência a maior casa comercial daqueles tempos. Acordou com vozerios do lado de fora, a curiosidade venceu o sono e pôs-se a espiar pela veneziana.

Naquele momento ouviu o vozeirão do delegado de polícia nomeado, Estanislau Castelo Branco, o Telau:

– “Câncio, teje preso!”

O Lili contou-me que naquele momento temeu pela reação do Câncio que tinha fama de valentão. Que nada, caminhou mansinho e acatou a ordem do delegado que o conduziu até a cadeia pública onde ficou aquietado por uns dias.

Talvez a partir daí a lenda se desfez, pelo menos para o próprio valentão de araque. Minha memória de jovem trouxe depois desse e outros episódios uma lembrança daquele mesmo senhor, descalço e bêbado, saindo correndo do boteco do Zé Roscão, escorraçado pelas chacotas dos maiores galhofeiros da cidade.

Comentários
  • Verly 2786 dias atrás

    Ainda quero lembrar mais casos de Pompéu. Se alguém lê aqui no Portal souber de algum que possa me lembrar ficarei grato.
    Agora mesmo estou lembrando de um criminoso que o Badu ajudou a encontrar… vou ver se consigo rememorar detalhes.

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