XLI – De volta ao mundo ordinário

Publicado por Bill Braga 25 de setembro de 2017
de volta ao mundo ordinário

de volta ao mundo ordinário

Finalmente eu me reencontrava com a ayahuasca, e por mais que não quisesse havia uma certa expectativa naquele encontro. Não me lembro dos detalhes, mas lembro que foi algo de transcendente aquela experiência. Tomei a ayahuasca e achei leve, achei que não causaria efeito. Depois tomei por mais sete vezes naquela noite. O ritual, que é chamado de trabalho, começou com um som xamânico e continuou com um show ao vivo. Foi um momento intenso. Lembro que eles cantavam, Franco e Manuela: “esse é o caminho, é do Mestre”. Aquelas palavras ecoavam profundamente no meu ser. Eu tinha a certeza de que eu era a encarnação viva de Jesus, por mais que eu saiba hoje que isso era apenas uma confusão arquetípica. Mas entrava naquela onda. Olhava pro lado e via um rapaz se contorcendo, se debatendo, mas eu estava tranquilo.

Será que não tinha batido a miração, aquela fase depois que tomamos o chá que temos visões e experienciamos uma viagem psicodélica? Fiquei deitado, olhando para uma vela. Os serpenteios bruxuleantes da chama parece que me diziam algo, me garantiam a segurança. O tempo passava como se não houvesse tempo, uma sensação muito louca de que tudo no cosmos está completamente fora de ordem. O show foi profundo, e depois tivemos mais umas doses, e o trabalho continuou. A cada música vinha uma revelação diferente, como se aquilo fosse um grande teatro mágico, criado apenas para me auxiliar no meu despertar.

O trabalho foi passando, as pessoas foram para a fogueira. Algumas dançavam, eu olhava tudo aquilo, tentando interpretar o ininterpretável, como se minha mente tentasse traduzir uma experiência que está totalmente fora do seu entendimento. Ao fim do trabalho do chá haveria outro trabalho com o cachimbo sagrado, mas apenas para aqueles que já haviam sido iniciados no cachimbo. Expliquei que eu não havia sido, mas em casa tentava fazer trabalhos xamânicos.

Eles me explicaram, os padrinhos, que eu precisava da iniciação porque o trabalho com o tabaco era mais forte que aquele com a ayahuasca. Respeitei, e observei tudo que acontecia. Foi muito interessante o pós-trabalho. Algumas pessoas deitadas, meio que parecendo exauridas, outras se abraçando, transbordando felicidade. Eu me incluí no segundo grupo, e abracei a todos, e compartilhei as sensações vividas.

Eu estava com muita vontade de tomar um banho e fui. Depois encontrei com a Aruana, filhinha dos padrinhos Manuela e Franco, e conversamos. Ela me disse que a chave estava ali, apontando para tatuagem no meu braço. Padrinho Laersson chegou e conversamos sobre astrologia, ele me rodando e mostrando meu mapa astral. Fiquei embasbacado com aquela menina, sua sabedoria, sua potente inocência. Tomei outro banho. Conversei com outras pessoas. Mas havia uma ali que me chamava a atenção. Era a madrinha Milena, de Franca.

Seus olhos continham mistérios que me excitavam, e me deixavam apaixonado. Novamente, sim, apaixonei-me, por uma desconhecida, apenas pelo olhar. Nós, os seres sensíveis, acabamos nos sentindo profundamente apaixonados, apenas pelo olhar. Janela da alma. Por ali surgem os impulsos mais profundos. Ela talvez nunca saiba disso, mas amei-a profundamente naquele instante.

Conversei mais com algumas pessoas, Rosa, e sua filha Dalila. Fui sentar com ela na pedra, na frente daquele visual lindo, e ela me ensinando sobre a meditação que havia aprendido no Céu Nossa Senhora da Conceição. Ficamos ali trocando ideias, e compartilhando um momento de solitude a dois. Todos ali me falavam sobre esse lugar, o Céu Nossa Senhora da Conceição onde o padrinho Gideon desenvolvia cursos, e trabalhava com a ayahuasca. Nova era. Algo que ainda não entendia. Mas estava inebriado com o contato com aquelas pessoas, e achava que tinha descoberto minha tribo. Xamânica, … será?

No dia seguinte eu tinha passagem comprada para Belo Horizonte. Padrinho Laersson me falou que podia me dar carona até Divinópolis, eu fui lá trocar a passagem. Consegui, e embarquei numa viagem muito boa com ele. O carro furou o pneu, trocamos, mas o tempo todo conversamos temas que me tocavam, e eu estava bastante animado com tudo aquilo. Na verdade era um pouco mais profundo, eu me sentia conectado a tudo e todos, e tudo o que acontecia tinha uma mensagem subliminar para mim. Era como se tivesse realmente descoberto a cura, e agora nada mais pudesse me impedir. Me senti extremamente bem.

Lembro que comentei sobre a Milena, e o padrinho Laersson me disse que eles já haviam namorado. Eu pedi desculpas, não queria cobiçar uma mulher que tinha sido dele. Ele disse que não havia problemas. Me explicou que era extremamente livre em sua orientação sexual, não importando se homem ou mulher, ele apenas vivia intensamente. Eu achei aquilo lindo, como eu queria ser assim. Livre, descondicionado de toda esta ordem social que nos escraviza.

Viajamos conversando até Divinópolis, onde chegamos em sua casa, uma típica casa de Gnomo. Muito legal, … ele me deixou à vontade. Eu iria dormir ali, e no outro dia de manhã pegar o ônibus para voltar a Belo Horizonte. Mal sabia eu o que me esperava lá, achando que tudo estava bem, ignorava os rumos que ia tomar.

No outro dia de manhã, antes de sair para trabalhar, ele me mostrou um caminho onde chegaria numa cachoeira, e o rumo para pegar o ônibus. Deixou a chave, e foi-se. Eu fiquei no computador um tempo. Antes porém, na noite anterior, estávamos no computador, quando percebi que tinha tido uma miração. Antes de tomar ayahuasca. Desde que cheguei no local do “trabalho” eu via os olhos da Milena verdes. E quando via as fotos no Facebook, ele me mostrava a Milena, e eu falava, mas os olhos dela não são verdes? Ele dizia, não, os olhos do irmão dela, o André, eram verdes, mas os dela eram castanhos. Nesse momento uma foto que eu via dela, de repente, os olhos verdes se transformaram em castanhos. E assim em todas as fotos que via dela. Uma loucura.

Sai da casa, fui atrás da cachoeira. Provavelmente errei o caminho, pois só cheguei numa represa. Precisava de dar um pulo para chegar, e confiei e pulei. Meu pé se cortou na pedra. Não liguei para o sangue. Continuei ali, até voltar e ir para o ponto de ônibus. Esse não demorou e logo, logo, estava a caminho de BH.

Eu tinha ficado todo sujo, inclusive minhas roupas, com minhas aventuras na represa. No pé o sangue continuava a escorrer. Voltei no ônibus lendo um livro que o padrinho tinha me emprestado sobre a História da Ayahuasca no Brasil. Diferentemente da primeira experiência essa parecia que tinha transcorrido numa boa, com sensações de unicidade e transcendência.

Restava agora voltar à vida – não se sabe bem qual ainda tinha – e continuar comungando daquela planta maravilhosa de poder que abria todos os canais. Mas será que o mundo estava pronto para mim? Ou então, eu estaria pronto para o mundo ordinário?

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