No inconsciente coletivo, os santos devem ter cara de santo. Quando se fala em santos, logo se pensa em alguém que viveu uma vida de grandes sacrifícios, jejuns e sofrimentos. Logo, eles devem ser magros, cadavéricos ou, pelo menos, transfixados por flechas como São Sebastião.
Certo? Errado!!! O povo quer seus santos bonitos, enfeitados, coloridos. Claro, os olhos voltados para o céu – de preferência azuis! E aquela cabecinha inclinada para um lado como todo beato de sacristia sabe imitar. Se possível, com um manto de luxo e um diadema na fronte, pois o santo – entende o bom povo – pertence a um espécie de nobreza sobre-humana…
Um caso clássico ocorreu a respeito da Pequena Teresa – a Teresinha de Lisieux. Quando a jovem carmelita foi canonizada, deram um jeito de esconder seus retratos autênticos, substituídos por uma “imagem melhorada”. Não o rostinho redondo, quase gorducho, mas verdadeiro. Pintaram outra Teresinha, com o rosto mais afilado, aspecto etéreo, quase angelical: esta sim, tinha cara de santa!
Outro caso, bem recente, é o beato Carlo Acutis, o jovem italiano que tinha um blog na Internet. Matéria de Rafael de Mesquita Diehl, no jornal “Gazeta do Povo” de 9/06/2024, comentava:
“A representação mais comum [de Carlo] o retrata vestindo uma camisa polo vermelha e calça jeans, como ele aparece em uma de suas fotografias mais famosas facilmente encontrada na Internet. Na sua iconografia também aparecem elementos ligados à sua vida comum, como tablet, máquina fotográfica ou bola de futebol. Como elemento religioso, geralmente aparece com uma hóstia nas mãos ou ao peito.
Alguns setores mais tradicionalistas da Igreja Católica manifestaram inquietação ou mesmo repulsa a essas imagens do beato Carlo, principalmente através de postagens nas redes sociais. As críticas mais comuns são aos trajes e aos instrumentos presentes nas imagens, que eles entendem como uma forma de “banalizar a santidade”.
Eles argumentam que Carlo deveria ser representado como a iconografia mais antiga e tradicional, vestindo a túnica branca (símbolo do batismo), as vestes litúrgicas de coroinha (já que Acutis chegou a servir como coroinha/acólito eventualmente em celebrações da missa) ou o terno e gravata (que usava em missas mais solenes). De acordo com essa visão, para que a imagem do beato seja adequada à contemplação e ao ambiente litúrgico dos templos, ele deveria ser retratado da forma como se apresentaria dentro de uma missa solene. Essa visão crítica, entretanto, ignora a história tanto do vestuário quanto da arte sacra cristã.”
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Na verdade, o bom senso nos garante que a “beleza” do santo não é de ordem física, mas espiritual. Esta beleza espiritual pode perfeitamente conviver com a careca do apóstolo Paulo, os pés deformados de Madre Teresa de Calcutá e o notável narigão de São Luís Maria Grignion de Monfort.
Aqui perto de nós, temos a Beata Nhá Chica, cujo santuário fica em Baependi, MG. Desta descendente de escravos africanos, original de Rio das Mortes, existe um retrato autêntico, onde a serva de Deus aparece em roupas bem pobres, tendo nas mãos um surradíssimo guarda-chuva. Mas também já deram um jeito de “melhorar” Nhá Chica: sua imagem traz agora roupas finas e ornamentadas; em lugar do guarda-chuva, um rosário; e não se pode negar uma técnica de “branqueamento” que talvez traia algum tipo de preconceito…
Talvez tenham razão os cristãos do Oriente, que não adotam imagens tridimensionais (esculturas) para seus santos, mas se limitam à expressividade enxuta e contida, mas nem por isso menos bela, das figuras bidimensionais de suas iconóstases.
Um dia – quem sabe? – vamos descobrir que santidade é coisa simples, do dia a dia, ao alcance de gente comum como nós… E que não adianta melhorar a cara quando o coração está feio…
Que vamos fazer com os “bandidos” presos?
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