Tricot

Publicado por Wesley Pioest 2 de fevereiro de 2021

Tricot

O poeta é feito de retalhos. Não afirmo,
deixo no ar a brisa da indagação:
talvez seja, ou posso estar redondamente
enganado. Como, aliás, estou a estar.
São problemas de tecimento, de arejar
a flauta com outra embocadura.
Pode ser diferente, e isso não é ruim,
é coisa boa, à qual me entrego de alma
e vou velejando, assovio, nas lonjuras.
Palavra é artefato difícil, que eu, curioso,
manejo, mais mal do que bem – mentir?
para quê? E a essa altura? Aprendiz,
quero fazer diferente. Quero inventar.
Mas algo que valha uma lembrança,
de que se aproveite um triz, migalha,
um sonambulismo de rádio ligado,
um esmorecimento na rede, pitando,
fazendo tricô, arte mais indecifrável,
cujo dom não tenho e nunca terei.
Dou a mão à palmatória, chamo o poeta
à vulgar superfície curva desta terra.
O lápis sai derrapando no papel almaço
e eu quase sonho: queria divertir a moça
desalentada de chorar, o rapaz altivo
à espera do ônibus na estação cinzenta.
Porém, alinhavarei aqui e ali não mais
que uma frase, um desvario de canário
equilibrado no arame ao pôr do sol.
E o poema fica nisso mesmo. Arremedo.
Lá embaixo a rua a tudo observa, paciente,
com o alarido da vizinhança a me dizer
necessidades: viver é preciso, andar é
preciso. Fazer poemas talvez não seja.
Bom, a vida segue. Os poemas me seguem.
Perseguem a mim que os sigo tecendo.

Comentários
  • Antonio Angelo 1361 dias atrás

    “Fazer poemas talvez não seja”
    Preciso é, sim, meu caro.
    Divirjo.
    Como este aí.
    Dizendo coisas. Tecendo cousas.
    Navegar é preciso; poetar é preciso.
    Viver…

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