Neli do Geraldo Vaz: A Alma Silenciosa de Pompéu – parte I

A Mulher que Fez da Alegria um Patrimônio Cultural de Pompéu, Minas Gerais
Quando recebi o convite dos portais Metro e R1037 para escrever sobre a Neli do Geraldo Vaz, meu coração deu pulos de alegria. Minhas lembranças voltaram 80 anos, nos anos 1944 e 45, quando eu residia na Rua do Coqueiro, hoje Rua Senador Melo Viana. A Rua do Coqueiro começava justamente na calçada da Farmácia do José Custódio, onde sobreviveu em seus últimos dias um velho coqueiro.
Do lado esquerdo da rua, havia o açougue e anexa a residência do Celso Nunes e contigua à residência de meus pais, quintal que fazia divisa por uma cerca de arame farpado com o quintal da Neli do Geraldo Vaz. E seguia na rua a casa da gorda Jove com suas 6 filhas, a quem a Neli sustentava.
Na Rua do Coqueiro, havia um costume de 15 em 15 dias de varrer a rua. Todos os vizinhos molhavam a poeira com centenas de regadores de água tirada de suas cisternas, raspavam e amontavam a terra no meio da rua e o Geraldo Vaz a transportava em carrinho de mão para o “Buracão”, uma voçoroca no final da rua, que foi aterrada em 1960. Como minha mãe estava com crianças de colo, a Neli aguava também a rua na frente de nossa casa.
No ano de 1947, minha família mudou-se para o distante bairro d’Os Cristos e a Neli participou ativamente de toda a mudança com uma habilidade fora do comum. Poucos dias depois de havermos mudado, recebemos a prazerosa visita da bela Neli que cultivava uma amizade fantástica com minha mãe. Eu quis fazer bonito para ela, a convidei a ver o córrego que banhava os fundos do nosso quintal. Inadvertidamente, entrei na água sem perceber que a correnteza havia aumentado com as águas da chuva e fui arrastado pela correnteza. Neli pegou um bambu que estava caído no terreno, correu até a curva seguinte do córrego e me salvou.
Durante anos eu visitei a Neli para agradecê-la por ter me salvado. Aqui eu saio da história, para contar a bela história na Neli Barbosa
Corri atrás de informações e falei com Adilceia, filha da Mirtes, falei com seu Pai, Sebastião, que me indicaram o Giani, neto da Neli, que me ofereceu o contato com sua mãe, a escritora Maria das Graças e ouvi a também escritora Edmeia Faria que fez uma entrevista com a Neli do Geraldo Vaz, nos seus áureos tempos. Juntei as informações que reuniam mais de 89 anos de vida da nossa personagem.
Esta é uma bela história sobre uma personalidade que marcou profundamente a cultura de Pompéu entre as décadas de 1940 e 2000, Neli do Geraldo Vaz. Mulher de força, generosidade e alegria, Neli criou filhos, acolheu viajantes, animou carnavais e fez de sua casa um verdadeiro centro cultural espontâneo — tudo isso sem jamais aparecer em manchetes ou receber homenagens oficiais.
Segundo ela dizia, nasceu em Onça do Pitangui, em 23 de abril de 1920, mas foi registrada, já adolescente, como natural de Pompéu.
Portanto, pouca gente sabia de onde tinha vindo aquela mulher robusta e bela, que chegou à cidade como afilhada de um velho negro chamado Leopoldino, cidadão de fala mansa e alma ancestral. Seu marido, Geraldo Vaz dos Reis.
Desse casamento vieram 3 filhos: Antônio Barbosa dos Reis, Sônia Barbosa dos Reis e uma filha adotiva, Gladys Luzia, que cresceram entre cantigas, causos e o cheiro de bolo saindo do forno. Neli também gostava de acolher moças a quem ensinava uma profissão e as tratava como filhas. Seu filho Antônio Barbosa, adotou o nome de Tony Moreno. Foi um grande fotógrafo e depois criou o “Voz da Liberdade”, um jornal lido em toda a região centro-oeste mineira.
Antônio foi casado com Maria das Graças, com quem teve seis filhos, Sônia teve cinco, e Gladys, a filha adotiva, dois. Sonia mudou-se para a cidade de Sete Lagoas, onde veio a falecer.
Na rua do Coqueiro, a casa da Neli era, além de uma magnifica tinturaria que lavava e passava, ela mesma, os melhores ternos dos mais elegantes cidadãos pompeanos, era fonte de amizade, prazeres e alegrias.
E lá funcionava, discretamente, o Café Brasil. Com um belo salão forrado de pedras bem cuidadas, uma sanfona de 8 baixos, tocada pelo conhecido Geraldo Salvino e um cavaquinho tocado pelo Vadico, animavam as noites mais alegres da cidade! Algumas vezes juntavam-se espontaneamente outros músicos.
Sua casa era ponto de encontro da boemia decente, onde se dançava com respeito e se celebrava com alma. E mesmo sem homenagens oficiais, seu nome ecoava no mais alto nível cultural da cidade, como quem sabe que o verdadeiro reconhecimento não vem de placas, mas de lembranças.
Ali, realizou-se pela primeira vez, um baile de carnaval, frequentado por gente educada do centro e da periferia. Foi a primeira vez que um bloco de carnaval saiu às ruas sambando até o largo ou centro da cidade. Naqueles anos, o lança perfume era bastante usado em sprays metálicos de cor dourada, das marcas Rodo e Rodouro. O lança perfume foi proibido a partir de 1961 devido aos abusos dos cheiradores que chegavam a desmaiar. Mas voltando à Neli, que não precisava de títulos, era a matriarca dessa folia alegre, respeitosa e vibrante.
(Continua na parte II)
Artigos Relacionados

Comentários