Noiva do Cordeiro – parte II

Publicado por Padre Joao Delco Mesquita Penna 11 de março de 2022

Noiva do Cordeiro - parte II

Vozes do Apocalipse

(continuação da parte I – A Excomunhão)

Com o tempo, a rejeição contra a família foi sendo superada, mas após duas gerações, cinquenta anos mais tarde, na década de 1940, foi um outro casamento que afetou a vida da comunidade e toda a família. Chegou à localidade um pastor evangélico da Igreja Batista, conhecido como Senhor Anísio Pereira, que se casou com uma moradora do lugar conhecida como Delina, de apenas 16 anos à época, uma das netas de Chico Fernandes e Maria Senhorinha, sendo que desta união resultou prole de 15 filhos.

O pastor, convencido que nenhuma religião era satisfatória, criou sua própria versão do evangelismo batista com rígidos preceitos para todos. O Pastor Anísio, “converteu” todos ao protestantismo, fundando a “Igreja Evangélica Noiva do Cordeiro”, que passou a dar nome ao lugar.

“Então ouvi algo semelhante ao som de uma grande multidão, como o estrondo de muitas águas e fortes trovões, que bradava: Aleluia! , pois reina o Senhor, o nosso Deus, o Todo-poderoso.

“Regozijemo-nos! Vamos alegrar-nos e dar-lhe glória! Pois chegou a hora do casamento do Cordeiro, e a sua noiva já se aprontou.

“Para vestir-se, foi-lhe dado linho fino, brilhante e puro. O linho fino são os atos justos dos santos.

“E o anjo me disse: “Escreva: Felizes os convidados para o banquete do casamento do Cordeiro!” E acrescentou: “Estas são as palavras verdadeiras de Deus”.

“Então caí aos seus pés para adorá-lo, mas ele me disse: “Não faça isso! Sou servo como você e como os seus irmãos que se mantêm fiéis ao testemunho de Jesus. Adore a Deus! O testemunho de Jesus é o espírito de profecia”.

Apocalipse 19.6-10

Facilitado pelo isolamento e pelo sentimento de orfandade, o pastor Anísio Pereira se enveredou pelo messianismo evangélico, impondo dois dias de jejum, cultos diários, às vezes mais de uma vez ao dia. Seu púlpito elevava a expressão religiosa ao fanatismo mais exaltado, que separou de vez o povoado do restante do mundo, tornando a Noiva do Cordeiro um lugar cada vez mais segregado, lembrando Canudos de Antônio Conselheiro.

Assim, a notícia dos novos hábitos se espalhou e a sociedade local de tradição católica, ficou incomodada com os cultos, dizia-se que os moradores de Noiva do Cordeiro usavam a religião como desculpa para não trabalhar e foi assim que a comunidade conheceu a miséria de perto, passando por grandes dificuldades de sobrevivência!

A nova doutrina não permitia às mulheres cortar os cabelos, usar mangas curtas ou passar maquiagem. Também eram dedicadas muitas horas diárias à oração, até mesmo a música era proibida para os moradores. Assim, os descendentes de Maria Senhorinha, que já eram estigmatizados por serem fruto de um adultério, passaram a sê-lo também por serem evangélicos. Se aos olhos dos outros que viviam fora da comunidade, o lugar já era uma espécie de Sodoma, internamente acreditava-se que apenas os aldeões da Noiva do Cordeiro ganhariam a salvação eterna.

Aos fatos ocorridos ao longo do tempo, somou-se a insatisfação com a rigidez da ordem religiosa imposta, e com o passar dos anos, os moradores passaram a resistir cada vez mais ao pastor, que por sua vez foi perdendo força com o avançar da idade.

Comentários
  • Luiza 776 dias atrás

    História peculiar, é muito interessante!

    • Antonio Angelo 776 dias atrás

      De forma sucinta, uma crônica que mostra de forma explícita como religiosidade e costumes e cultura são um emaranhado a se tentar entender.
      Como é interessante – e conflituoso – o contexto destes nossos mundos interiores, além mídias!

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