Os feiticeiros têm uma tendência peculiar. Vivem exclusivamente ao crepúsculo de um sentimento melhor descrito pela palavra “porém….”. Quando tudo está desmoronando ao redor deles, os feiticeiros aceitam que a situação é terrível, e então de imediato escapam para o crepúsculo do “porém….”.
A feitiçaria é uma viagem de retorno. Voltamos vitoriosos ao espírito, tendo descido ao inferno. E do inferno trazemos troféus. O entendimento é um de nossos troféus.
Nossa dificuldade com essa progressão simples é que a maior parte de nós é relutante em aceitar que necessitamos de tão pouco para ir em frente. Estamos preparados para esperar instrução, ensino, guias, mestres. E quando nos dizem que não precisamos de ninguém, não acreditamos. Ficamos nervosos, depois desconfiados e por fim zangados e desapontados. Se necessitamos de ajuda, não é em métodos, mas em ênfase. Se alguém nos torna conscientes de que devemos restringir nossa auto-estima, essa ajuda é real.
Segundo os feiticeiros, não devemos depender de ninguém para convencer-nos de que o mundo é infinitamente mais complexo que as nossas fantasias mais selvagens. Assim, por que somos dependentes? Por que precisamos de alguém para guiar-nos quando podemos fazê-lo nós próprios? Interessante pergunta, hein?
Não há procedimentos em feitiçaria. Não há métodos, nem passos. A única coisa que importa é o movimento do ponto de aglutinação. E nenhum procedimento pode causar isso. É um efeito que acontece inteiramente por si mesmo.
Acabo de explicar que o movimento do ponto de aglutinação acontece por si mesmo. Mas falei também que a presença do mestre move o ponto de aglutinação de seu aprendiz e que a maneira pela qual o mestre mascara sua implacabilidade ou ajuda ou atrapalha esse movimento.
O que parece uma contradição é na realidade os dois lados da mesma moeda. O mestre atrai o ponto de aglutinação ao movimento ajudando a destruir o espelho da auto-reflexão. Mas isso é tudo o que ele pode fazer. Quem move de fato é o espírito, o abstrato; algo que não pode ser visto ou sentido; algo que não parece existir e, no entanto, existe. Por essa razão, os feiticeiros afirmam que o ponto de aglutinação move-se inteiramente por conta própria. Ou dizem que o mestre-feiticeiro move. Este, sendo o conduto do abstrato, tem permissão de expressá-lo através de suas ações.
O mestre move o ponto de aglutinação, e no entanto não é ele próprio quem provoca realmente o movimento. Ou talvez seja mais apropriado dizer que o espírito se expressa de acordo com a impecabilidade do mestre. O espírito pode mover o ponto de aglutinação com a simples presença de um mestre-feiticeiro impecável.
Porque o espírito não tem essência perceptiva, os feiticeiros lidam de preferência com as instâncias e modos específicos pelos quais são capazes de estilhaçar o espelho da auto-reflexão.
O mundo de nossa auto-reflexão ou de nossa mente é muito inconsistente e é mantido coeso por algumas poucas idéias-chave que servem como sua ordem oculta. Quando essas idéias falham, a ordem oculta pára de funcionar.
A continuidade é uma idéia-chave. A idéia de que somos um bloco sólido. Em nossas mentes, o que sustenta o nosso mundo é a certeza de que somos imutáveis. Podemos aceitar que nosso comportamento pode ser modificado, que nossas reações e opiniões podem ser modificadas, mas a idéia de que somos maleáveis a ponto de mudar de aparência, a ponto de ser alguma outra pessoa, não é parte da ordem oculta de nossa auto-reflexão. Sempre que um feiticeiro interrompe essa ordem, o mundo da razão pára.
A continuidade é tão importante em nossas vidas que quando se quebra é sempre instantaneamente reparada. No caso dos feiticeiros, entretanto, uma vez que seu ponto de aglutinação atinge o lugar da não-piedade, a continuidade nunca é a mesma.
A sua incerteza é para ser esperada. Afinal, você está lidando com um novo tipo de continuidade. Leva tempo para ficar acostumado a ele. Os guerreiros passam anos no limbo, onde não são homens comuns nem feiticeiros.
Eles não têm escolha. Todos tornam-se conscientes do que já são: feiticeiros. A dificuldade é que o espelho da auto-reflexão é plenamente poderoso e só deixa suas vítimas irem depois de uma luta feroz.
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