Aos editores: na data em que se completam 40 anos do golpe militar no Chile envio este artigo publicado por La Tercera, de Santiago do Chile, que traduzi. Como o artigo é extenso estou enviando por partes.
Raul Sánchez
Os 22 Dias que sacudiram o Chile – parte 1
por A. Cavallo, M. Délano, B. Fuentes y K. Trajtemberg. – 08/09/2013 – 03:53
El Semanal faz uma revisão dos atores e os fatos nos dias prévios ao dia 11 de setembro de 1973, que terminaram com o Golpe de Estado.
A importância que o historiador Paul E. Sigmund atribui ao período que começa na terceira semana de agosto e acaba no dia 11 de setembro de 1973, na historia chilena, é devida certamente a sua perspicácia acadêmica, mas também – e de forma muito destacada – à percepção do observador que vive e segue os atos do drama enquanto estão acontecendo. Sigmund estava tão atento aos acontecimentos que dia por dia sacudiam o Chile, que conseguiu publicar a sua primeira análise sobre o golpe de Estado na edição de Foreign Affairs de janeiro de 1974. A conclusão provisória naquele artigo foi: “A política de Allende (…), que misturou a inflação com uma definida polarização de classes, era uma fórmula para o desastre”. Mais tarde, Sigmund exploraria com maiores detalhes a vertigem política desses 22 dias, além do papel que os Estados Unidos tiveram nele.
A maioria dos chilenos desse tempo viveu essa época como a descreve Sigmund: como um processo de aceleração da história, puxado por tensões privadas e incidentes públicos, e pela sensação generalizada de que tudo teria uma saída violenta, um golpe de Estado ou uma guerra civil. Não há sobreviventes desses dias – incluídos os principais líderes políticos – que não identifique essas últimas três semanas do governo de Salvador Allende como uma progressão em direção à tragédia.
Até então já tinham acontecido grandes paralisações produtivas, a inflação e a emissão de moeda sem lastro estavam desatadas, as ruas eram palco de confusões comuns e um regimento tinha se levantado, o Blindados n° 2, que no dia 29 de junho cercou o Palácio de La Moneda e tentou a derrocada do governo. Esse gravíssimo incidente foi visto por alguns como um “ensaio”, por outros como uma vitória do governo e ainda tinha alguns que viam uma “oportunidade” para dar uma virada decisiva na correlação das forças. Esta diversidade de ângulos para analisar um mesmo fenômeno reflete com nitidez como estavam tingidas pela ideologia as capacidades interpretativas da realidade do país.
A pergunta que persiste depois de 40 anos é: por que ninguém fez algo eficaz para evitar o desastre? Ou será que era inevitável naquela altura? Todos, ou quase todos os protagonistas diriam que em muitas oportunidades, desde a posse de Salvador Allende em 1970, fizeram-se esforços por impedir a quebra da democracia nos termos que de fato aconteceram. Mas a partir do dia 20 de agosto, essas tentativas terminaram, ou viraram simples braçadas de afogado.
O que aconteceu nesses dias? Este trabalho se concentra nesse período, que até agora não tem sido analisado de forma explícita, e ensaia uma resposta a partir de uma investigação jornalística de seis meses dos autores, baseada em entrevistas aos atores e testemunhas, e em uma revisão da ampla bibliografia existente.
A evidência empírica mostra, sem dúvidas, que em 1973 a sociedade chilena estava literalmente dividida em duas. As eleições parlamentares de março daquele ano deram uma maioria consistente à oposição, constituída pela centro-direita, e ao mesmo tempo registraram um avanço dos partidários da Unidade Popular, que de qualquer forma era lento demais para que o governo viesse a alcançar a maioria até o final do mandato em 1976. Para um país tão tensionado pela questão das maiorias, era o pior dos resultados possíveis, um resultado que não resolvia nada.
Essa divisão refletia um desacordo fundamental na sociedade a respeito do esgotamento da estratégia de desenvolvimento e da ordem política posterior à crise dos anos 30, que talvez não tenha sido devidamente ponderado, ou até tenha sido mesmo exagerado, pelas partes em conflito.
No entanto, sobre esse desacordo existe outro, talvez mais profundo e dramático, que afetava a todos os atores sociais e políticos relevantes: dissensões internas que, em diferentes níveis, faziam acreditar que a sobrevivência de todos eles estava em perigo. Assim, é verdade que os partidos do governo estavam profundamente divididos – e em alguns casos em confronto -, também é verdade que não havia total unidade nas Forças Armadas, na direita e na Democracia Cristã, e mesmo na Igreja Católica e nos movimentos operários e estudantis.
Muitas dessas diferenças não nasceram durante a Unidade Popular, nem podem ser atribuídas a esse período. Algumas remontam à história desses grupos, e outras ao turbilhão ideológico que começou nos anos 60; mas é claro que existem também os casos que se incubaram ou se potencializaram com a chegada da Unidade Popular, UP, ao governo. Mas, vistas em conjunto, confirmam o que é evidente em todos os processos políticos desse porte: não existia um grupo que por si só pudesse produzir um desenlace. Se em algum momento houvesse um colapso, seria pela convergência mais ou menos desgraçada de um conjunto de causas: uma falência múltipla dos órgãos, usando uma metáfora clínica.
(continua)
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