Dança de salão, alegria e desafio

Publicado por Editor 10 de abril de 2019

Falo aqui de vivências pessoais num periodo de 5 anos, sempre em aula particular de dança de salão: Forró, Samba, Zouk e Bolero, numa frequência de algumas horas por semana, totalizando aproximadamente 800 horas aula, com 3 professoras em longos períodos de tempo e com outras em períodos mais breves. Não tenho a vivência de situações grupais. Abordo a dança de salão enquanto relação humana sui generis.

Podemos dançar com a mesma pessoa alguns passos de dança por anos, desfrutando o prazer da música, do ritmo, do contato corporal e da companhia da pessoa. Ou podemos ter interesse em sempre aprender passos novos, colocar novos desafios, experimentar movimentos nunca vividos. Quando a aula de dança tem esta ênfase, torna-se um processo que implica esforço físico, intelectual e potencialmente interações e laços afetivos intensos. O aprendizado incessante de passos novos, ritmos novos, velocidades de música diferentes, é extremamente exigente do ponto de vista intelectual. É um trabalho de atenção, memória, coordenação motora, sensibilidade musical, empatia com a pessoa com a qual dançamos, sincronia de movimentos.

Existem pesquisas médicas que sinalizam que a dança de salão, quando dá ênfase ao aprendizado constante, é um dos recursos mais eficazes para manter as capacidades cognitivas em funcionamento saudável, atuando assim como preventivo dos processos degenerativos cerebrais que ocorrem no transcorrer da vida.

Do ponto de vista de uma relação humana a dança é uma situação singular e potencialmente muito íntima. Quando se dança com uma parceira regular uma ou mais horas por semana, por meses ou anos, pode-se construir um relacionamento muito amistoso e afetivamente caloroso. A dança de salão se constrói sobre a base do contato corporal. Mãos que se entrelaçam, corpos que se tocam, olhos que se veêm, sorrisos, abraços.

Realizar juntos uma tarefa de grande complexidade traz um tipo de realização que não é apenas individual, mas a dois. Uma construção coletiva, dual. Nasce ali uma obra comum, bela, agradável, desafiante, harmoniosa. Todos conhecemos o prazer de sentir-se capaz, de ver desabrochar o próprio potencial, de vencer desafios e contemplar um bom resultado. Esta é a base da verdadeira autoconfiança, que não se baseia em suposições mas em fatos. Na dança este prazer é vivido em equipe, a dois. Nos sentimos dois em um. Há uma fusão, uma união, uma construção artística nascida da harmonia e competência de duas pessoas. Nas relações homem mulher na vida social nem sempre está presente o elemento artístico, o trabalho, o esforço coletivo, o resultado belo e bem sucedido a dois.

Quando se dança com o mesmo par por meses ou anos, pode-se perceber um laço afetivo verdadeiro que se constitui aos poucos, que frequentemente não é comentado, mas que é real. Ficamos sabendo em menor ou maior grau da vida um do outro, às vezes há confidências recíprocas, vidas que se tocam e se entrelaçam em certa medida. Este laço afetivo está enriquecido pelo contato corporal intenso e mais ou menos íntimo. A música, enquanto ritmo e beleza sonora e vocal, a letra da música, enquanto criação poética mais ou menos significativa, formam um cenário, um palco, dentro do qual este laço afetivo corporal se expressa, desabrocha, em formas artísticas mais ou menos complexas, as vezes apenas doces e harmoniosas, as vezes do mais intenso desafio, exigindo atenção total, concentração.

Na maioria das relações professor aluno há uma desigualdade, uma assimetria. Um ensina, o outro aprende, um sabe e dá, o outro recebe. Por mais que a relação se prolongue no tempo pode permanecer sempre assimétrica, manter uma certa distância, às vezes intransponível. Na dança em aula particular há um elemento novo, a distância se mistura com o contato, a proximidade. Para que o aprendizado efetivo aconteça, pouco a pouco, o aluno ou aluna, tem que se aproximar do nível do professor. Para que um passo de dança atinja um nível ótimo tem que haver sincronia, harmonia, cria-se algo belo a dois, há o processo gradual de fusão, de encontro. Em certa medida, reciprocidade. É claro que isto será verdade apenas para aqueles passos que o aluno consegue desenvolver em um nível ótimo. Quando o aluno consegue se desenvolver em um nível ótimo em muitos passos, dentro destes, há uma relação recíproca, uma comunhão, um desenho a dois, uma parceria harmoniosa.

Quando o aluno tem a oportunidade de ter aulas particulares com algumas professoras faz a descoberta que cada dupla exige adaptações, coloca possibilidades, desenvolve harmonias que são diferentes. O mesmo passo de dança tem um sabor diferente quando dançado com outra pessoa. O desempenho pode ser ótimo em ambas as duplas, mas o clima, a sincronia, a atmosfera, é única, singular. Existem diferenças que são corporais. Uma professora é mais alta, ou tem mais volume corporal, é mais leve ou mais ágil, ou apenas diferente. Existem diferenças que são de personalidade. Uma professora é mais extrovertida, ou mais solene, ou alegre, ou mais reservada. Cada dupla, se convive a longo prazo, construirá um mundo próprio, individual, irrepetível. É a riqueza que podemos ter quando convivemos intimamente com pessoas diferentes, seja no amor, na amizade, no trabalho ou na dança.

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