Natal sem bichos?

– Viu só essa, Anastácia? O Papa mandou tirar o boi e o burro do presépio?
– Deixa disso, Ferreirinha! É fofoca de jornalista sem assunto…
– Pois eu acho uma discriminação!
– Discriminação zoológica?
– Exatamente! Se fosse o leão ou a águia, o Papa deixava lá…
– E você acha que existia leão na Palestina quando Jesus nasceu? Águia, naquelas bandas, só os estandartes das legiões romanas…
– Ih! Depois que você se formou em Ciências Sociais, parece uma enciclopédia!
– E você também devia estudar um pouco, em vez de ficar lendo esses pasquins anticlericais! Parece bobo! Acredita em tudo que sai no papel!
– Pensando bem… será que tinha boi e burro na gruta de Belém?
– Ferreirinha, até agora você só se preocupava com burro e vaca na hora de jogar no bicho… Por que esta súbita preocupação ecológica?
– É que esses padres espertos estão sempre engrupindo a gente com histórias da carochinha…
– Ô ignorante, arte é arte! Os artistas não são retratistas. Eles usam símbolos para expressar alguma mensagem. E os leitores bobocas ficam xingando os padres por um pecado que eles não cometeram…
– Pecado? Qual pecado?
– O gravíssimo pecado de montar um presépio com carneiros e pastores, com o boi e o burro.
– Mas tinha mesmo boi e burro soprando no Menino para espantar o frio?
– Sei lá, energúmeno! Sei lá! Os pintores e escultores, os monges que escrevem ícones estavam querendo dizer que o Salvador não veio só para os homens, mas para toda a Criação.
– Ah! Isso é da sua cabeça, Anastácia! Tirou isso de onde?
– De uma carta de São Paulo, seu abutre iletrado! Quem manda não ler?
– E ele escreveu mesmo isso?
– Claro! Está lá na Carta aos Romanos: “Toda a criação geme em dores de parto”, à espera da Redenção.
– Ah! É?…
– É, sim, plebe ignara! O boi e o burro representam toda a Criação, que também se alegra com o nascimento do menino…
– Mas aqui no jornal…
– Dá aqui o jornal, Ferreirinha, que estou precisando acender o fogão de lenha. E para de ler porcaria, que o seu cérebro não foi feito para isso. Vai jogar damas com o Sinfrônio, vai!