
Um dia – era tarde da noite –
Sentei-me à mesa com meu anjo
num boteco de fim de rua
que ia dar num descampado.
Pendia do teto uma lâmpada mortiça
que mais salientava as sombras
do que iluminava o ambiente.
Pedi cerveja e algum petisco
(Nelson Gonçalves rodava na vitrola).
O sonolento balconista
de vez em quando nos olhava
como a dizer: deem o fora,
chega de conversa,
não percebem meu cansaço?
Tentava explicar ao anjo
desacertos e atos insanos cometidos;
ele me olhava com preocupação,
os olhos claros de longos cílios.
Via-se contra a parede
a sombra difusa de suas asas.
– Não é possível, não é possível – repetia
ao lhe confessar tantas desditas.
Preocupava-se ao constatar
que em sua missão falhara
por não ter agido a tempo
de me livrar das confusões
em que tantas vezes me metera.
Falhara, reconhecia,
em seu dever de suster-me
na terra revolta e minada
em que se tornara minha vida.
Ao fim, paguei a conta
juntando míseros trocados;
levantamo-nos e fomos à rua
de onde partiu rumo ao campo.
Andava cabisbaixo,
braços pendidos ao lado do corpo.
Só então pude ver que havia sangue
Conspurcando a brancura de suas asas.
Artigos Relacionados
