A rede

Publicado por Antonio Ângelo 1 de junho de 2025
A Rede ilustração
A Rede ilustração
Ilustração Benicio Cunha

É na varanda

que mais a falta lhe sinto.

A rede pensa, levemente a balouça a brisa,

as samambaias em cascatas,

vasos de flores sobre a mureta.

.

Ao fundo o quintal inventa histórias;

sombras, esvoaçar de pássaros,

as formigas sempre diligentes,

o fio d’água correndo rumo à horta,

o murmúrio farfalhante em meio às árvores.

.

À varanda no entanto não chega

a sua benfazeja presença

trescalando essências

que não vinham de nenhuma poção,

mas das claras axilas, de seus poros,

das madeixas que displicentemente lançava

alvoroçadas sobre as omoplatas.

.

Deito na rede à penumbra.

Mal diviso as telhas manchadas pelas décadas:

chuvas – ventos – canículas.

O caldo da noite extravasa entre as frestas;

fecho os olhos e em minha solidão

imagino passos adentro no assoalho.

.

Mas ninguém chega, ninguém chegará,

a não ser fantasmas a troçarem

de minhas descabidas alucinações.

Lembranças rondam em meu cérebro

qual imaginária nuvem viajando lá em cima,

oculta pela escuridão que encobre o mundo.

.

Para melhor me acomodar

reposiciono meu corpo

ao longo da rede.

Não sei se mais uma alucinação,

em pequena dobra do tecido

descubro ainda restos daquele cheiro

entre os fios esgarçados pelo tempo

 
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