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Certo dia, na Palestina, um cego de nascença ouviu que Jesus passava ao lado. Ele gritou até atrair a atenção do Mestre. Jesus curou sua cegueira e lhe devolveu a visão. Em volta dele, ninguém era cego e todos enxergavam muito bem. Enxergar pessoas e objetos eram uma coisa comum. Na verdade, algo banal. Todo mundo enxerga, não é? No entanto, todos ficaram admirados pelo fato de o antigo cego enxergar.
Aqui está a questão a ser meditada. Nós todos – que temos olhos em bom estado – somos um milagre permanente. E é provável que nunca demos graças a Deus por enxergar. Estamos acostumados com o milagre…
Outro dia, levaram até Jesus um surdo-mudo. Jesus untou com saliva os ouvidos do surdo e ele passou a ouvir. E passou imediatamente a falar. Isto foi causa de espanto e admiração. “De onde lhe vem esse poder?” Ora, esse “poder” vem da mesma fonte que a nossa audição: vem do Criador. Vem de Deus. E todos nós, que nascemos ouvindo a voz do papai e da mãe, exercitamos a audição de ambos com o nosso berreiro primogênito.
Hoje, chegam a fazer testes para verificar se o recém-nascido escuta bem. E em geral escuta. É “normal” que ele escute. Mas eu gostaria de saber qual dos meus leitores já deu graças a Deus por sua audição, tão normal, tão comum, tão banal e, nem por isso, um milagre menor?
Algumas vezes, levaram até Jesus de Nazaré algum paralítico, um deles carregado em padiola por quatro amigos e baixado por um furo no teto. E Jesus os curava: “Levanta-te e anda!” E eles andavam! E voltavam para casa carregando nas costas o estrado e o colchão. E a aldeia inteira ficava espantada com o milagre.
Qual milagre? ANDAR.
– Andar?! Mas isto é a coisa mais comum. Mais normal. Mais banal. Todo mundo anda…
Eu sei que todo mundo anda. Sei que você também anda. Mas eu gostaria de saber se você já percebeu o grande milagre que consiste em você andar… Um milagre que pode ser interrompido por uma infecção ou por uma queda da motocicleta. E aí, certamente, você iria rezar e pedir por um grande milagre: andar outra vez…
* * *
Será que eu me fiz entender? Até o Manuel Bandeira sabia disso. Que foi que ele escreveu?
Preparação para a morte
A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu voo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
— Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.
(Estrela da Tarde, 1963)
* * *
Então, estamos combinados? Você não precisa de milagres. Você já é um milagre de Deus…
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