
Sim, eu sei. Irmãos se matam.
Caim e Abel? Não foi o último caso nas manchetes do Gênesis.
No entanto, depois do primeiro fratricídio da história, Caim e Abel continuavam irmãos. Qual foi a interrogação que Caim ouviu do Criador?
– Onde está o teu irmão?
* * *
Este é o ponto: a morte do meu irmão não anula nossa fraternidade. O bandido que me mata ainda é meu irmão. E o corpo que sangra no asfalto ainda é o corpo do irmão que eu matei.
Difícil de entender?
A fraternidade humana não é uma construção da sociedade: ela é “natural”. Ela tem suas raízes no Criador e Pai. Nossa vida tem uma Fonte comum: as Mãos que modelaram nossa argila e o Sopro em nossas narinas, que nos pôs de pé.
E esta fraternidade cresceu, se aguçou, aprofundou-se quando o Filho de Deus nasceu de mulher e se fez Filho do Homem. Desde a encarnação, todos nós fomos lavados no mesmo sangue. Aliás, sangue que os irmãos d’Ele se apressaram em derramar.
* * *
Estamos diante de uma evidência: irmãos matam irmãos. Mas continuam irmãos.
Em cinco anos de Pastoral Carcerária, visitando toda quarta-feira uma penitenciária de segurança máxima – a Casa de Detenção Dutra Ladeira, na Grande BH – nossa equipe convivia com bandidos, ainda que aqueles 900 homens fossem rotulados de “internos”.
Por que nós íamos lá? Porque eram nossos irmãos. Filhos do mesmo Pai. Na imensa maioria, cristãos batizados. Ficava para trás o medo, a antipatia, a revolta, o preconceito, o nojo (por que não dizer?). A consciência da missão era mais forte. Se um deles voltasse para Deus, jogo ganho!
Alguns membros de minha própria família me desaprovavam: – “Mas não são bandidos? Não mataram? Não roubaram? Não traficaram?”
Era como se a sociedade sentisse necessidade de cristalizar o criminoso em seu crime. Coisa que acontece mesmo no interior das famílias: – “Você não tem mesmo jeito! Já desisti de você!”
Ora, o cânon dos santos da Igreja inclui ex-criminosos e grandes pecadores. Se, porém, tivessem sido executados antes de sua conversão, não estariam na lista… E não estou falando do Bom Ladrão lá no Calvário. Falo de Jacques Fesh (ver foto): depois de uma vida de playboy, o jovem francês matou um policial, foi preso durante 3 anos e morreu na guilhotina. Mas teve tempo suficiente para a descoberta de Deus e uma vida espiritual profunda. O processo de sua beatificação foi aberto em 1987.
Sim, é mais fácil matar o meu irmão bandido do que dedicar meu tempo a orientá-lo para o bem. Também dá muito trabalho educar os filhos para Deus, transmitir valores morais na escola, compartilhar meus bens com os mais pobres. Chego até a ficar com raiva do Governo que distribui cestas básicas para quem tem fome…
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Um dia – quem sabe? – meu irmão bandido vai aparecer na minha frente. Armado. Drogado. Vai atirar em mim. Mas ainda é meu irmão…
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