Benzedores, curandeiros, responsadores e adivinhos – parte II

Publicado por Sebastião Verly 2 de maio de 2025
tatuagem de magos nas costas 8

 

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Continuação da parte I: https://www.metro.org.br/sebastiao/benzedores-curandeiros-responsadores-e-advinhos-parte-i/

Em Pompéu o curandeiro mais famoso foi com certeza o Abdon. Abdon que por ser zarolho e ter o nariz adunco, tinha um ar muito místico, vivia sozinho num casarão antigo e sombrio,  bem elevado em relação ao nível da rua Padre João Porto. Trajava sempre um terno de brim marrom, usava um chapéu de lebre e sempre  camisas sociais. Abdon viajava pela zona rural de Pompéu e Abaeté, benzendo fazendas contra bichos peçonhentos e dando recomendações para ter sorte nas atividades. Recomendava enterrar os umbigos dos filhos do fazendeiro junto aos moirões das porteiras na entrada principal da fazenda.

As histórias de benzeções de fazendas corriam soltas em Pompeu. A benzeção contra cobras e outros animais peçonhentos era bastante comum na região. Eu mesmo vivi na fazenda Bela Vista no Piau, onde a Luzia esposa do Aristides transitava por toda a fazenda com confiança na certeza de que o velho Cândido Barbado, assim era conhecido o seo Cândido, havia benzido e expulsado as cobras da fazenda. Eu mesmo presenciei o Cândido, um negro velho com cerca 70 anos de idade, colocar a mão junto a uma caixa de marimbondo e marimbondos passarem para suas mãos e ele fechar ou retirar a casa dos marimbondos que voavam sem destino certo.

Nas décadas de 1950 e 1960, em Pompéu era bastante comum a consulta a benzedeiras e benzedores. A Mariazinha filha de escravos benzia de tudo. Seu Cristino, negro Velho que diziam tinha mais de 100 anos também benzia. Pedro do Cristino era malungo, quer dizer amigo íntimo de meu pai, mudou-se para Goiás e em visita a Pompéu, no ano de 1950, arranchou em nossa casa e preparou, com 2 quilos de polvilho e uma moita de babosa, uma quantidade enorme de comprimidinhos que eu e meus irmãos tomamos meses a fio. Minha Tia Ciata, esposa do Gabriel, benzia doenças de pele. Certa vez levei a Darcy do Geraldo do Zé Custódio para ser benzida por ela de uma erisipela ou impinge, creio. Iria, esposa do Zé Pica-pau era uma benzedeira bem nova, quando a conheci tinha cerca de 40 anos. Quem precisasse ou quisesse era só perguntar e sempre encontrava uma benzedeira por perto. Em 1984, por sugestão do próprio médico, eu levei meu filho para ser benzido pela Maroca Campos. Um ritual de muito carinho ternura e afeto. Atualmente ainda existem algumas benzedeiras em Pompéu, como a Dilica que mora na Sapolândia ou a Tunica lá na Volta do Brejo. Na família do Sebastião José da Silva, o Sebastião Barbeiro, que em 2025 completa 92 anos de idade, a senhora sua mãe, Maria Tereza de Jesus, conhecida como Dona Ducha, sua irmã Maria da Gloria Silva, e ele mesmo benziam contra diversas moléstias.

Além de curandeiros e benzedeiras, ainda é preciso registrar o caso de pessoas que tinham o chamado “olho gordo”.  O caso mais marcante ocorreu com a Cleuza viúva do Tunico do Xisto, que ainda está viva e pode confirmar: Tunico tinha um ajudante de caminhão, chamado Vital, vulgo Batata que dizia ter esse olho gordo e o que ele olhasse desandava. Cleuza para testar resolveu fazer um doce de ovos e pediu o Tunico que trouxesse o Batata para dar uma olhada… e o doce desandou mesmo!

Um caso de benzedor interessante é o Juquinha Benzedor. Juquinha Benzedor é uma figura conhecida na região de Buritis, próximo de Brasília, noroeste de Minas Gerais. Ele é famoso por suas práticas de cura e por ter atendido personalidades importantes, incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Juquinha é um exemplo de como a tradição dos curandeiros e benzedores permaneceu forte em muitas partes do Brasil.

Ele mudou-se de Pompéu no início da década 1940 e foi para a região de Unaí, também no noroeste do estado. Eu o conheci da cidade de Buritis em 1985. Consultei o Juquinha aconselhado pelo meu amigo Alaor Passos, sociólogo, amigo também de Fernando Henrique Cardoso, que me contou que o Juquinha benzeu o Fernando Henrique, que ganhou vida nova e chegou a Presidente da República. Fernando Henrique comprou uma linda fazenda em Buritis bem vizinha do velho Juquinha. Ele me deu 4 litros de fortificantes feitos com serragem de madeira colorida e tomei por mais de mês.

É incrível como essas práticas locais podem ser compreendidas como Patrimônio Cultural Imaterial, preservando a memória coletiva e fortalecendo a identidade de uma comunidade.

Pompéu, cidade localizada no coração de Minas Gerais, carrega uma herança rica em manifestações culturais e religiosas. Rezadeiras e benzedeiras, figuras simbólicas na vida comunitária, emergiram como líderes espirituais e curadoras em tempos de escassez de acesso à medicina convencional. O curandeirismo, muitas vezes associado a saberes tradicionais e ao uso de plantas medicinais, complementa essas práticas ao criar pontes entre o mundo espiritual e o físico.

Em Pompéu estas práticas representam muito mais do que meras tradições da religiosidade popular, elas constituem um legado cultural, um sistema de cuidado e um suporte emocional para as camadas mais pobres da sociedade. Existe rica e importante história dessas práticas, ressaltando seu valor cultural e impacto social.

Para muitas famílias, gente das diversas classes, no caso de Pompéu, o trabalho das rezadeiras e benzedeiras oferece um recurso vital em momentos de dificuldades. Além de serem agentes de cura espiritual, essas mulheres também são mediadoras de esperança e fé, proporcionando conforto nos desafios da vida cotidiana. Suas práticas muitas vezes transcendem o ato de rezar ou benzer, incorporando uma dimensão terapêutica que reforça os laços comunitários.

Responsar é outra modalidade mística, é um ato  realizado por uma pessoa, normalmente mais velha, conhecida como responsador ou responsadora/responsadeira que, utilizando orações ou não, intervém através da fé para que a pessoa que o procurou encontre um objeto ou animal que está perdido. O ofício de “responsar” tinha que ter “sabedoria”, era por norma feito por mulheres idosas, vista como pessoa de poder sobrenatural, não era para qualquer uma. A prática de “responsar” realmente parece ser uma expressão cultural rica e significativa, especialmente por envolver fé e a transmissão de tradições ao longo das gerações.

Quem se destacou como “Responsadora” em Pompéu foi a Maria do Chiquim Luiz que morava numa casa lúgubre na Rua Padre João Porto, bem em frente à Rua Antônio da Palmira que com o tempo a poeira mudou de caiada de branco para um marrom alaranjado. As janelas pretas de madeira maciça sempre fechadas, a cerca vegetal impedia a visão do quintal, ninguém via a tal senhora na rua, o ar de mistério que a envolvia era perfeito. Quando sumia alguma coisa ou algum malfeito ocorria em alguma casa e não aparecia o responsável, a mãe ameaçava: “vou mandar a Maria do Chiquim Luiz responsar”, o terror se instalava, logo o culpado aparecia!

Para finalizar este tema da cultura popular, cito o caso do adivinho:

Adivinho é uma pessoa que se acredita ter a capacidade de prever o futuro ou descobrir segredos. Adivinhos também podem ser conhecidos como adivinhadores, adivinhadeiros, adivinhões ou profetas.

Em Pompéu, havia um cidadão conhecido como Zé da Merca.  A figura do Zé da Merca é um verdadeiro exemplo do folclore e das curiosidades do interior brasileiro. A qualquer hora do dia ou da noite, quando consultado o Zé da Merca, dizia as horas e os minutos com precisão, sem precisar de nenhum relógio, sempre usando a expressão “de maneiras tais são tantas horas e tantos minutos”.

Esses personagens são recheados de sabedoria e mistério, tornando nossa cultura ainda mais rica. Imagine a precisão dele para determinar as horas sem ao menos um relógio – quase mágico! As histórias dessas figuras muitas vezes ultrapassam a lógica e se misturam com o encanto das tradições locais.

Rezadeiras, benzedeiras, adivinhos responsórios e curandeirismos  são muito mais do que figuras de cura; eles são guardiões de um saber que atravessa gerações e conecta as pessoas às suas raízes. Em Pompéu, essas práticas continuam a ser uma luz nas vidas daqueles que mais precisam, reforçando o poder da fé e da solidariedade em um mundo cada vez mais desconectado de suas tradições. Há comunidades no interior que tem em seus benzedores e curandeiros um objeto de atração turística, sendo que em alguns casos viram mesmo motivo para romarias.

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