A crise migratória e o destino da Europa

Publicado por Antonio Carlos Santini 4 de julho de 2016

A crise migratória e o destino da Europa
A crise dos migrantes é sintoma de quê? Thibaud Collin, em matéria do jornal católico “L’Homme Nouveau” [4/06/16], convida a sociedade à reflexão e à tomada de decisões.

As ilhas do Sul da Europa são o palco de um drama humano até então insuspeitado. Milhões de seres humanos, na maioria refugiados políticos e minorias religiosas perseguidas, lançam-se ao mar em frágeis embarcações e experimentam a linha divisória entre morrer ou sobreviver.

Quem são esses fugitivos? – pergunta Collin. Serão invasores a temer e combater? Ele mesmo responde: e se a crise dos migrantes deva ser encarada como um drama humanitário, valorizando a singularidade dos itinerários da vida? Isto exigiria da sociedade em geral um compromisso determinado por uma atitude pessoal, cujo modelo se encontra na parábola do Bom Samaritano.

Ou seria, antes, sério problema geopolítico, levando em conta as características culturais e religiosas das populações deslocadas, a exigir opções políticas assumidas pelos governantes atentos ao bem comum de seus países?

Muito além da esfera individual

É tal a amplitude do fenômeno, que ultrapassa definitivamente os critérios da esfera individual. Jean Madiran procura pelo critério mais justo: “Se um refugiado bate à minha porta, meu dever de cristão é o de acolhê-lo como um outro Cristo (conforme a palavra de Mateus 25), mas se 150 refugiados batem à minha porta, meu dever é alertar as autoridades políticas”.

Duas morais? Não, diz Thibaud Collin. Não há duas morais, a do cristão regido pela generosidade, e a do cidadão governado pela Realpolitik, pois só existe uma exigência: a do verdadeiro bem humano a ser atualizado por meio de escolhas prudentes e caritativas em circunstâncias singulares.

O Magistério da Igreja ensina: “As nações mais favorecidas devem acolher, na medida do possível, o estrangeiro em busca da segurança e dos recursos vitais que não pode encontrar em seu país de origem. Os poderes públicos zelarão pelo respeito do direito natural que põe o hóspede sob a proteção daqueles que o recebem”. (C.I.C.,2241)

No mesmo item, o Catecismo reconhece o direito de as autoridades políticas, em vista do bem comum, “subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, notadamente a respeito dos deveres dos imigrantes em relação ao país de adoção”.

Na prática, trata-se de respeitar o patrimônio material e espiritual do país que os acolhem, obedecer às suas leis e contribuir para seu sustento. No recente episódio do Brexit, que culminou com a saída da Inglaterra da Comunidade Europeia, um dos argumentos de peso era o temor da população local diante de uma possível “invasão” de imigrantes e a consequente perda da identidade nacional.

A civilização em crise?

O enfoque de Thibaud Collin para a presente situação é que estamos diante de uma crise da própria civilização ocidental. Ele refresca nossa memória: “Estas migrações são o efeito direto da desestabilização do Oriente Próximo, provocada em grande parte pela catastrófica política ocidental no Iraque, Síria e Líbia. Ora, esta política tem motivos econômicos (petróleo) e políticos (derrubada de ditadores para instalação da democracia liberal), motivos que fazem parte de uma visão reducionista e uniformizadora do mundo humano”.

Para o articulista, é capital perceber que o democratismo e o economismo ali manifestados se acham na outra ponta da cadeia. É assim que a política de acolhida de Angela Merkel (e, em seguida, da Bélgica) parte da ideia de que, diante da decadência demográfica da Europa, as necessidades de mão de obra dos empresários só seriam satisfeitas pela imigração.

Seriam os indivíduos meras peças de substituição? Segundo Collin, parece ser esta a ótica liberal que arrazoa segundo as regras do direito e do mercado, sem levar em conta a cultura, a religião, os costumes e, em resumo, tudo aquilo que produz a espessura da vida humana e determina a vida de um povo.

O angelismo niilista

Seria o amor pela identidade nacional o verdadeiro motivo do fechamento europeu aos imigrantes? Parece que não. Faz tempo que os europeus consideram os interesses econômicos e objetivos utilitaristas acima da alma nacional. Seria preciso uma grande reviravolta para que a Europa recobrasse suas raízes e recuperasse sua alma. Na visão de Rémi Brague, é urgente que a Europa assuma sua “romanidade”, termo pelo qual é designada a maneira como a Europa reconhece as fontes que lhe são anteriores e superiores, simbolizadas pelos nomes de Atenas (a tradição helenística) e de Jerusalém (a herança judaico-cristã). O mergulho em suas matrizes cristãs permitiria à Europa superar o desafio das grandes migrações, a fim de transmitir aos recém-chegados a verdade sobre o homem que ela mesma recebeu no passado.

De fato, seria grave se a sociedade europeia considerasse que essa verdade recebida só valesse para ela mesma, impedindo que se estendesse a outras culturas. Seria, no mínimo, uma traição a toda a humanidade.

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