Mercado de crianças

Publicado por Antonio Carlos Santini 12 de fevereiro de 2019

Mercado de crianças

No sistema capitalista, qualquer coisa pode ser usada como mercadoria. Até gente.

O historiador Daniel Rops registra que no século XVII, em Paris, crianças eram compradas ou raptadas por profissionais da mendicância. O processo podia incluir fraturas intencionais nos membros dos pequenos indefesos, para estimular a piedade do público.

Nos áureos tempos de Mozart, os corais incluíam as vozes dos “castrati”, homens cantores de extensão vocal semelhante à voz feminina, por terem sido submetidos à castração antes da adolescência. Sem os hormônios sexuais, era preservada sua voz aguda. Em geral, eram crianças órfãs, ou mesmo de famílias pobres impelidas ao extremo recurso por razões financeiras. Foi necessário que o Papa Leão XIII proibisse tardiamente, em 1902, a inclusão de “castrati” nos corais das igrejas.

Dizem que os tempos mudaram. Talvez não. O noticiário recente chama nossa atenção para as crianças que são precocemente separadas de suas famílias por apresentarem dotes excepcionais no mundo dos esportes, desde a ginástica até o futebol. No fundo, o mesmo ranço capitalista: a perspectiva de sucesso ou de lucro a partir do desempenho das crianças e dos adolescentes. Sem excluir a exploração em nome do Estado e do sentimento nacionalista.

O lamentável incêndio na concentração do Clube de Regatas Flamengo, no Rio de Janeiro, com 10 adolescentes mortos e 3 feridos, deveria servir para uma reflexão sobre nossa neutralidade – ou seria indiferença? – diante da exploração de menores no campo do esporte. Não há inocentes no caso. De fato, há muita gente envolvida no mercado de crianças. Federações, clubes, dirigentes, empresários e, naturalmente, famílias. Todos veem como natural que um garoto de 16 anos seja literalmente “comprado” pelo Barcelona ou pelo Real Madrid. É assim o planeta do capital.

Mercado de crianças 1

O próprio sistema perverte nossos olhares. Logo que se manifesta um dom especial na criança, ouve-se o tilintar de uma registradora: dinheiro à vista! Isso pode dar lucro! Claro, existe até quem assegure que é “para o bem da criança”. Mesmo o miniatleta pensa nos futuros ganhos e, amorosamente, na possível ajuda à família pobre. Pena que sejam tão raros os que chegam ao pódio e aos gordos contratos, enquanto uma multidão de sonhos é excretada do sistema…

O desastre humano não se limita ao futebol. Multiplicam-se “olheiros” por toda parte. Passeiam pelas universidades os “headhunters” – expressão inglesa que significa “caçador de cabeças” – os quais selecionam os melhores estudantes, a serem aproveitados nos principais centros de pesquisa do primeiro mundo. Também os cérebros estão incluídos no mercado.

Enquanto isso, os pequenos continuam explorados e pressionados a ser gente de sucesso. Filhos são menos amados por não corresponderem às expectativas dos pais. Expectativas de destaque, de sucesso e, naturalmente, de lucro…

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