O ferro do machado

Publicado por Saulo Soares 22 de junho de 2021

O ferro do machado

“A medida do amor é não ter medidas.” Santo Agostinho

Os versos finais do poema Crucifixão, de Antônio Carlos Santini, são de uma beleza arrebatadora: “Ao Servo que morreu como um escravo, arranco de seu corpo cada cravo, tentando amenizar a sua dor. Mas, no cruzeiro erguido lá no teso, o corpo do Senhor perdura preso, pois o que o prende à cruz é seu Amor…”

Segundo o Professor Bernardo Souto: “A grande poesia raramente é tão somente poesia; é também uma poderosa luz que nos faz enxergar melhor os mistérios da existência. A grande poesia, no dizer de Drummond, nasce do que foi pensado, mas “logo atinge distância superior ao pensamento.” É o que ocorre com os versos de Santini.

Somos nós os verdadeiros cravos, os “dardos de amor” que prendem o Cristo à cruz. Foi por nós – sem mérito algum da nossa parte – foi, e o foi eternamente, por nós. São João Paulo II, dizia que se “Ele não tivesse morrido naquela Cruz o Amor ainda estaria por ser provado.”

É, de fato, constrangedor o amor de Cristo (2 Cor 5,14); amor que nos compele a uma decisão, uma definitiva decisão: diante da cruz, do Crucificado, do amor que jorra ao golpe da lança, dizer, num misto de palavras e passagens que fervilham e pontuam as Escrituras com a digital do Espírito Santo: “Meu Senhor e meu Deus!”, “A quem iremos nós! Só Tu tens palavras de vida eterna!”, “Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo!”, “Faça-se em mim segundo a Tua Palavra!”, “Jesus, filho de David, tem compaixão de mim, pecador!” Ou recusá-Lo. Recusar o Amor que constrange e abraçar a gélida e indiferente tibieza ou – talvez ainda pior – optar pela raiva e pelo ódio e contar-se entre aqueles que, à sanha de um “espetáculo” sangrento, não enxergaram, ali e n’Ele, a Redenção da humanidade.

Santo Tomás de Aquino – em Super Io., c.19 – distingue raiva e ódio da seguinte forma: “Pois é natural que a raiva de alguém acabe quando a causa dessa raiva é punida e humilhada. Isto é assim para a raiva, pois ela anseia por infligir dano só até certo ponto. Mas não é assim com o ódio, pois o ódio busca destruir completamente a coisa odiada.” O que se vê – passados dois mil anos – são, ainda, os inimigos da Cruz esbravejarem, furiosos: “Crucifica-o!” – pois sabem, para seu dano e irremediável tristeza – que Ele Vive, que Ele É.

Dom Fulton Sheen em seu A Mensagem da Cruz, diz que: “Sêneca conta-nos que os crucificados amaldiçoavam seus executores, o dia em que tinham nascido, as mães que os haviam dado à luz, […] Cícero relata também que, por vezes, era preciso cortar a língua aos crucificados, para calar sua torrente de blasfêmias. […] Os executores esperavam, portanto, ouvir gritar, mas o grito que ouviram não era aquele que eles esperavam. Os Escribas e Fariseus, por sua vez, aguardavam também um grito, e estavam certos que Aquele que pregara “Amai os vossos inimigos” e “Fazei bem a quem vos odiar”, esqueceria as palavras do Evangelho, ao sentir as dores lancinantes da crucificação. Eles esperavam que as dores e agonias do martírio dispersariam ao vento qualquer resolução que Ele tivesse tomado para guardar as aparências. Todos e cada qual esperavam um grito; mas, à exceção dos três entes, ajoelhados aos pés da Cruz, ninguém ouviu o grito que aguardava. À semelhança de algumas árvores fragrantes que perfumam o ferro do machado que as decepa, o grande Coração da Árvore do Amor tirou do seu íntimo algo menos do que um grito ou de que uma oração – uma súplica suave e carinhosa de piedade e perdão: “Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem!”

O amor de Cristo nos constrange. “Dá-me, Senhor, o amor com que queres que eu Te ame.”

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