XXXI – Ressuscitar mais uma vez

Publicado por Bill Braga 10 de julho de 2023

Me perdoem a pressa, mas esqueci de lhes contar uma passagem essencial de minhas viagens loucas e iluminações. Antes mesmo de ter as visões de minha família como demônios, e de ter feito o sexo tântrico, antes de acreditar ser Jesus Cristo renascido, tive uma experiência muito forte.

Tinha minhas hérnias, que me atacavam. Descobri mais tarde que as hérnias poderiam ser um sinal, você há de entender, sentir o que digo, como digo. Saí de casa com um cachecol para aliviar as tensões das hérnias cervicais. Fui ao show de um bandolinista maravilhoso, um grande amigo, no Parque Municipal, no centro de Belo Horizonte. Era um show especial que tinha a participação de um gaitista fenomenal, meu xará. Fiquei maravilhado com a energia de lá. Findo o show fui ao camarim, conheci aqueles magos da música, junto com outro mestre, o violeiro Juarez Moreira. Conheci esse dia também o movimento Slow Food, um contra-movimento das tendências modernas de fast food, liderados pela comida vegana e com a proposta de nos deliciarmos mais respeitando o momento do comer. Pareciam seres iluminados, eu acreditava, na minha loucura, que foram enviados ali para me auxiliar. Tudo parecia guiado, como se uma grande mente cósmica controlasse tudo ali. Era o Grande Espírito, como os povos antigos chamam Deus, me ajudando no meu caminho.

Depois que sai do parque fui ao Instituto Hemominas, que fica próximo, para me oferecer para doar sangue. No auge da loucura e das tormentas essa idéia me parecia a mais bela. Doação, Gratidão. Mas tamanha era a burocracia que eu com meus remédios não poderia ajudar a outros irmãos. Afinal se meu sangue fosse o sangue de Cristo, teria algo mais poderoso para ajudar a Humanidade? Mas não, a burocracia dos homens ainda os mantém cegos para a força de um sangue como o meu… Delírio! Prove e sinta…

Na saída do parque minhas hérnias voltaram a me atacar… Começava a ficar travado no pescoço e comecei a acelerar o passo rumo ao Hospital João XXIII, o Pronto Socorro, para ver se tomava uma injeção que me ajudasse a sanar aquela dor. As hérnias, fui descobrir depois nos meus papos místicos, eram um sintoma do Despertar da Kundalini. Se acha muito douto para acreditar em coisas assim, pois eu lhe digo, mais sabem sobre isso os mestres orientais, os iogues, do que nossa tão jovem civilização. A Kundalini é uma energia vital, espiritual, uma serpente, que se aloja na base de nossa coluna. Quando ela desperta, ativa todos os nossos chakras, e passam a nos conectar plenamente com o mundo espiritual. Como vocês podem achar essa idéia muito maluca vou simplificar. Um guru me disse que as hérnias vieram porque eu não tinha escolhido o Caminho. Precisava trilhar o Caminho do Meio para me equilibrar. Com as loucuras, visões e êxtases, estava desequilibrado. Será que alguém é equilibrado nesse mundo cão?

Enquanto sofria de dor e caminhava vi se aproximando um senhor, com traços pobres. Naquela hora, vi ele me dizendo: – Passa tudo, Passa a bolsa e a mochila, Isso é um assalto! Se realmente ele falou isso ou delirei, nunca vou saber, sei que a experiência de medo foi intensa pra mim. Ali naquela hora a Kundalini despertou, e todas as minhas vértebras quebraram. Senti uma dor intensa em toda a coluna, não haviam mais protusões de hérnia, mas eu simplesmente não conseguia mais caminhar. Era a Força da Serpente Kundalini querendo Despertar. Andei mais apenas alguns passos e sentei, sem forças, chorando de dor e desespero em frente a uma loja. Alguns anjos, disfarçados de humanos vieram me acudir. Me levaram para dentro da loja, ligaram pra minha mãe, e disseram meu estado lastimável.

Em pouco tempo chegavam minha mãe, seu namorado e meu irmão mais velho para me acudir. Fui levado para casa e tomei uma injeção. Fui sentindo ponto a ponto os nódulos de dor irem estourando. Kundalini havia acordado, e eu estava conectado com o mundo espiritual, mal sabia eu, mas vim a descobrir depois.

Enfrentei nessa situação o Ego, o medo, e somente enfrentando o medo podemos trilhar o Caminho da Iluminação. Lembre-se de Jesus, e Siddartha Gautama, o Buda, que tiveram provações imensas e as superaram para se iluminar. Em meus devaneios já começava a me perguntar: porquê Deus?, porquê tanta dor, tanto sofrimento? Mal sabia eu o que estava por vir, enfrentar meus demônios interiores projetados para o mundo externo.

Voltando ao fio da meada, depois de todas aquelas alucinantes percepções eu seria mais uma vez internado. A decisão da minha família foi uma decisão de pessoas com medo, que não têm conhecimento que os xamãs passam por esses estados de êxtase, que circulam entre diferentes mundos e realidades, mas como poderiam eles desconfiar que eu era um xamã pós-moderno? Nem eu sabia de minha força, e ainda nem sei, mas vou descobrindo e acreditando.

Voltando ou avançando no tempo, depois de ter aquelas visões demoníacas em minha família, acabei sendo novamente levado para uma clínica. Novamente três homens e uma ambulância apareceram na minha casa e eu fui encaminhado, à força, mas consentindo, à velha conhecida, a clínica Pinel. Lembro até hoje de minha chegada lá. Fui recebido como um rei. As pessoas pareciam realmente acreditar que eu era Jesus Cristo. Me pediam bênçãos e abriam caminhos para mim. Mesmo sendo medicado continuei acreditando nisso, eu estava fortemente tomado por esta visão do Messias, o filho de Deus, enviado para ajudar na salvação dos homens!

Essa foi a recepção por parte dos ditos “loucos”. Meus colegas de caminhada e que eram excluídos do mundo por qualquer tipo de comportamento considerado patológico. Sejam esquizofrênicos, depressivos, suicidas … Todos ali estavam, mas eu penso que eram irmãos a me auxiliar na caminhada. Era como se os espíritos tivessem tomado aqueles corpos e reincorporassem para se comunicar comigo.

Do outro lado tinha os homens de branco, os eternos homens de branco. Com eles vinha o “sossega-leão”, as doses cavalares de remédios. A explicação é simples, eles consideravam que eu estava mega-hiper-excitado, e precisavam me acalmar como se acalma um leão que foge da jaula. Era isso, eu tinha fugido da jaula, a jaula do Ego. Era como se eu tivesse recebido um dom divino, a que eles chamavam de transtorno bipolar, o dom de entrar em estados alterados de consciência para me conectar com a força que rege o Universo. Vários fatores desencadeavam os surtos, que eu prefiro nomear como estados de iluminação. Seja o uso de drogas lícitas ou o excesso de amor, tudo isso me despertava e me fazia querer quebrar as grades e saltar fora da prisão em que todos vivemos. Digo isso hoje, porque antes não tinha noção disso, mas sei que uma vez abertas as portas da percepção, nunca mais a visão do mundo é a mesma. Certamente o desafio maior era transformar o que era visto como doença em um Dom, e poder navegar intensamente nos dois mundos. Entendendo que na realidade os dois pólos são faces da mesma moeda, pois somos todos Um com o universo e Uns com os outros.

Dessa internação pouco me lembro. Como em outras vezes minhas memórias me foram suprimidas e arrancadas pelos remédios. Só me lembro dessa cena, da recepção calorosa de meus irmãos. Sei que sempre que eu estava internado trocava minhas roupas com os outros internos, exercitando o desapego fortemente. Isso irritava profundamente minha família, mas o que pode ser mais profundo do que uma experiência de troca, troca-se energia, e pratica-se o desapego, qualidade suprema.

Lembro que Natália, minha namorada por essas épocas, ficou realmente assustada com tudo que ocorreu. Mas não saiu do meu lado. Ficou forte ainda que frágil, me visitava e aguardou minha saída para continuarmos nosso relacionamento. Porém esse relacionamento estava por um fio. Minhas novas crenças e as verdades que eu descobria, o modo de vida que eu queria levar não era compatível. Era como se ela fosse um peso, algo que eu precisava me libertar para viver livre e poder seguir o caminho. Mesmo com toda doçura e amor que ela me dirigia, parecia não ser suficiente. Tinha um novo amor, Daniela, que parecia mais com um anjo, ainda que decaído. Ela sim me fascinava, com seus conhecimentos, sua beleza. Eu nem acreditava que ela me desse tanta atenção, pois me achava não merecedor de uma mulher como aquela. Cá estava eu novamente com minha bipolaridade, Daniela e Natália.

Por isso digo que acima de tudo a droga que mais me despertou foi o amor. As confusões, tensões, delírios amorosos foram a causa e a cura de todos os males que sofri nessa caminhada. Agora saía da Pinel, depois de quase um mês encarcerado, e voltava à vida. Mesmo com remédios que ainda me deixavam lento, eu tinha que seguir em frente, buscar as respostas para minhas questões, mudar meu modo de vida, ressuscitar mais uma vez. Decidi que queria trilhar o rumo do xamanismo, onde encontraria todas as curas que precisava.

É interessante como as mudanças surgem do espírito. Depois que saí, fui a um churrasco da família da Natália. Eu era um bom apreciador de churrasco, estava mesmo virando um churrasqueiro de mão cheia. Lá na festa, quando fui comer um pedaço de carne, meu corpo rejeitou veementemente. Ali naquela hora o espírito me iluminou, e eu parei de comer carne. Uma transformação radical, que não veio pelas ideias ou ideologias, mas do espírito para o corpo. Todos estranharam, mas pareciam entender. Aquela energia da morte, do sacrifício de animais não podia mais entrar no meu corpo. Purifiquei-me aquele dia, e mantive essa decisão até hoje. Naquela festa fui recebido muito bem. Ali havia uma forte energia católica que me fez bem aquele dia. Mas meu caminho era outro. Recuperar um conhecimento ancestral. Mal sabia eu das coisas que estavam por vir e dos aprendizados que teria.

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