Para celebrar a vida

Publicado por Antonio Carlos Santini 12 de junho de 2019

Para celebrar a vida

Foto: Trekearth.com

Os jovens gostam de novidades. O velho prefere os ritos.

Os jovens não gostam de repetir os gestos: após uma primeira experiência, imaginam que esgotaram suas possibilidades e chamam de chata a sua revisitação. Já vi. Já ouvi. Já sei.

O velho sabe que jamais esgotará o gesto e, por isso mesmo, repete-o sem cansaço, à espera do mistério revelado. Ainda resta algo a descobrir.

Sabe? Aqueles idosos na praça da cidade do interior, jogando damas francesas? Não estão disputando nenhum campeonato, nem ficam ansiosos por quebrar algum recorde. Apenas sentem que estão vivos.

Aquelas simpáticas vovós no clube de senhoras, no tricotar de todas as tardes, não estão preocupadas com o frio do inverno. Apenas preenchem na convivência de comunidade o espaço de mais um dia.

Meu pai comprova minha teoria. Se nós chegávamos de férias e trazíamos um belo panetone ao rum, certamente ele o provaria no primeiro dia, até mesmo por educação. Já no dia seguinte, invariavelmente, ele voltaria ao café com leite e suas torradas. Ele não estava se alimentando: celebrava um rito. E o panetone novidadeiro interrompia o ritual de todos os dias, mas não lhe acrescentava nada de novo.

Aí está: a vida é feito de gestos – mesmo pequenos – que dão sentido a esse itinerário que os poetas chamam de tempo. Sem tais gestos, a vida seria uma sucessão de ansiedades, de buscas insatisfeitas, de ilusões românticas.

Por isso mesmo, arrancar um idoso de seu espaço, desarraigando-lhe a existência, é um crime que deveria merecer a pena de morte. Como cantava o poeta Taiguara, “deixe o velho em paz!” É ali no seu cantinho, em sua cadeira de balanço, no fundo de seu quintal, que o velho vai tecendo sua vida, ponto a ponto, como quem edifica uma cidade…

E creio que aí está o motivo central de certos fiéis considerarem como “chata” a celebração eucarística: “é tudo a mesma coisa!” Todos os domingos, aproximam-se do mistério e ficam na sua superfície: multidão sedenta, morrendo de sede à beira do poço…

Se alguém me perguntasse a razão de ser da epidemia de depressão que assola a sociedade, eu responderia que este mal do século brota da incapacidade de perceber o mistério deste momento, a oportunidade deste minuto, a novidade embutida no trivial que nos envolve. Fomos transformados em telespectadores. O prefixo “tele” registra o distanciamento entre nós e a vida real. E a rápida sucessão de imagens em pisca-pisca, no detestável “flipping” da TV estilo americano, impede que possamos contemplar a imagem, por mais bela que ela seja.

Ora, o velho sabe que a vida viaja de trem. A locomotiva é a maria-fumaça. Pra que tanta pressa?

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