Ousar Amar, Ousar Viver!

Publicado por Sebastião Verly 4 de abril de 2012

Quem conheceu Pompéu, minha pequena cidade antes da chegada da “luz elétrica” há de saber de muitos casos interessantes, únicos daquela população. Casos de amores profundos e arroubos de coragem e ousadia. Eu mesmo relembrei de alguns casos de amor que mereciam contos, romances e até filmes.

Um deles, fato acontecido e do conhecimento de quase toda a população, ou pelo menos deveria ser, aos poucos foi se esfumaçando para evitar mais sofrimento para as famílias. Acho melhor começar a narrativa pelo fim do caso todo, para que se guarde o momento que mais me interessa para a finalização destes meus escritos.

Quando eu recentemente lá voltei a residir por menos de um ano, encontrei com um bom amigo que dentro de mais alguns dias se suicidou, e ele sabedor de meu interesse por assunto daquela natureza, escolheu tempo e hora para me contar com detalhes uma de suas proezas. Sim o famoso contador de casos na verdade era ele, protagonista de muitos deles, contava com um sorriso peculiar que não parecia fazer ou desfazer do ocorrido.

Daquela vez, ele me pediu tempo e eu, curioso como só eu, prometi largar minhas obrigações e ficar por conta de escutar o caso com atenção. Nem preciso abrir parênteses para dizer que o meu querido amigo tinha uma facilidade muito grande para se deslocar de uma cidade para outras mais próximas e até bem distantes. Já que comecei a contar casos da minha terra natal, logo a seguir vou contar mais alguns desse homem que eu considerava um sábio comerciante, viajante e filósofo.

Ele ia contando com detalhes toda a viagem e as baldeações para chegar ao norte e nordeste de Minas Gerais. Teve tempo até para ilustrar as paisagens e contar as conversas soltas com uns e outros durante a viagem. Da nossa cidade até Teófilo Otoni, são mais de 700 quilômetros e acrescente-se a estas centenas as voltas que teve de dar para trocar de condução.

Chegou à cidade, alojou-se numa discreta e confortável pensão e descansou até a manhã do dia seguinte. Vestiu o seu conhecido terno de linho branco, a velha camisa Tanhauser, a gravata grená com umas poucas listas pretas, o sapato Scatamachia de outras eras e saiu elegantemente vestido pela cidade. Apesar de fora de moda, ele se sentia à vontade.

Não tardou muito encontrou a primeira farmácia para onde se dirigiu e – como era bom de prosa o meu amigo – entabulou conversa longa até saber quem era o farmacêutico mais velho da cidade. Facilmente o balconista explicou-lhe como chegar ao endereço que ele tanto queria.

Chegou à Farmácia e se apresentou com representante de laboratório farmacêutico, ressalvando que estava apenas de passagem e aproveitava para identificar possíveis clientes para futuras visitas. O velho muito simpático mas desconfiado envolveu-se com seus casos e não deixou de contar alguns da sua Teófilo Otoni.

Quando os auxiliares da farmácia, que depois o meu amigo soube que eram filhos do farmacêutico, deixaram o estabelecimento para um lanche ou para almoçar, não me lembro bem, o falso representante tirou sua carteira de identidade e a apresentou ao idoso senhor. Num instante, feições do velho senhor se desfizeram.

Quis saber logo como o visitante descobrira seu paradeiro, coisa que nunca ficou claro para mim, e pediu-lhe toda reserva porque os filhos não conheciam seu passado de longa data. Acabaram entendo-se e já contavam casos e lembranças como se fossem velhos e bons amigos.

No final da tarde, quando o meu conterrâneo já voltava ao estabelecimento, recebeu o convite para jantar com família do farmacêutico: a esposa, bem velhinha, dois filhos e duas filhas solteiras. Mais dois filhos casados viviam na cidade com seus herdeiros já bem grandinhos e não vieram para o jantar.

O jantar, preparado por uma das filhas, era bem diferente dos nossos hábitos alimentares. O coentro reinava no meio de outros temperos. Na nossa cidade pouca gente conhece esse tempero. Com esperteza, o dono da casa, conduziu a conversa para onde ele queria. A esposa quis saber mais sobre o que ele estava achando da cidade, as filhas e filhos nem tiveram a curiosidade de perguntar de onde ele vinha. Era apenas mais um representante comercial.

Conversas simples, educadas e elegantes. Elogios à vida e o amor que unia toda a família. Ninguém disse uma palavra sobre os tempos de antigamente. Terminado o jantar, o velho senhor levou “seu neto” até sair o portão do jardim e com certa emoção o abraçou demoradamente. Quando o meu amigo acabou de contar sobre o abraço recebido, seus olhos estavam cheios de lágrimas.

Ele me perguntou se eu conhecia a história de seu avô ocorrida há mais de meio século. Eu disse que sim, mas o narrador fez ouvidos de mercador e continuou sua história. O avô era um jovem farmacêutico na nossa cidade, pai da mãe do meu interlocutor, a qual era ainda bem jovem e creio que tinha mais uma menina e dois meninos pequenos.

Sucedeu-se que no decorrer da vida, naquela cidade que – repito – exala amor e sexo por toda parte, ele veio a apaixonar por uma senhora, também casada, jovem bonita e cheia de amor para dar. Uns olhares, cumprimentos, balbucios ininteligíveis de um para o outro, risinhos bem discretos e o amor fez o enlace que, até à época, não era permitido por ali.

Mas, como matar esse desejo louco, com a presença da família de um e o marido da outra ali bem presentes o tempo todo, numa cidade onde todos se conheciam. E mais: só havia um jeito de sair dali que era a velha jardineira que arrastava lentamente pela estrada poeirenta de lá até a Capital.

Acredite se quiser e quem duvidar pode ser que ainda esteja vivo o centenário farmacêutico para confirmar o caso. Ou sua neta que ainda vive aqui na capital do Estado. O respeitável farmacêutico foi chamado para fazer um curativo justamente na perna de sua divina amada.

O marido estava ali na sala sentando numa cadeira de vime, sem prestar muita atenção por se tratar de um simples curativo. Mas nem ouvia também um sussurro que fosse por parte de um dos dois. Um bom profissional de enfermagem não precisa ser um charlatão. Fala só o essencial, além do bom dia e até logo.

Quando o silêncio da madrugada invadiu a cidade de poucos mil habitantes e calou todo mundo que dormia como pedra, nem o trote de um cavalo bom de sela se pode ouvir na porta do casarão, ali bem na rua de saída da cidade.

Tudo combinado através de olhares e levado a termo num bilhete com detalhes deixado entre o algodão e o esparadrapo do curativo. Na garupa do alazão, o casal sumiu da cidade e ninguém perguntou porque.

O mistério maior é que parece que todo mundo sabia de tudo pois até os dias de hoje ninguém comenta nada sobre esse romance que só tem como interessado eu, ouvinte do caso, conto final com que meu amigo se despedira deste mundo.

Comentários
  • fernando 4257 dias atrás

    Parabéns pela autoria desse texto, Pompéu precisa de um autor que fala sobre os cidadãos de Pompéu e de Pompéu.
    Eu com a idade que tenho que é 22 anos nem imagina que Pompéu tinha essas historias, parabéns mesmo…

    • verly 4256 dias atrás

      FICO FELIZ QUANDO UM GAROTO COMO V. SE INTERESSA PELA HISTÓRIA DE NOSSA CIDADE.
      ESSE E OUTROS CASOS QUE ESCREVO TêM O OBJETIVO DE RESGATAR A BELISSIMA HISTÓRIA DE NOSSA GENTE.
      MUITO OBRIGADO.
      TIÃO DO GONTE

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