O melhor esconderijo

Publicado por Sebastião Verly 23 de novembro de 2016

o melhor esconderijo
Brindo os nossos leitores com mais um caso bem humorado coletado na minha adolescência em Pompéu. Badu, esforço-me para lembrar e consegui com sua sobrinha o nome de registro, Jader Alves, que só a burocracia dos cartórios e da Secretaria da Justiça a qual servia utilizava. Era filho da Dona Aurora do Joaquim Alves e irmão do Oswaldo Alves, este um grande escritor pompeano que viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro. Badu casou-se com Francisca, moça simples e de nobre reputação. Teve filhas, que eu saiba. Às vezes, sonho que suas filhas ainda venham a contar uma pequena parte dos muitos casos que ele presenciou.

Todo mundo o conhecia por Badu. Baixa estatura, barriguinha característica, os botões mais altos das camisas claras deixavam transparecer o peito peludo, tinha um leve achatamento na cabeça calva, nos olhava por detrás dos óculos esverdeados pelo grau forte. Era bastante engraçado e abusava do bom humor, dando chapadas ou tapas de raspão nas cabeças dos amigos próximos.

Excelente oficial de justiça, exercia o cargo de maneira bem mais ampla do que previam os manuais. Pessoa íntegra, trabalhou até se aposentar sem um único deslize, e melhor, sem inimigos consideráveis. No Fórum de Pompéu conquistou o respeito dos juízes e de todos os servidores.

Certo dia, me contou dentro de uma conversa casual, que saiu para fazer uma citação a poucos quarteirões dali. Quando chegou, procurou pela campainha. Bateu palmas e falou: “Ô de casa”. A mulher que o atendeu, por incrível que pareça era desconhecida sua, esbelta, cabelos bem cortados e penteados, devia ter menos de trinta anos, era linda e sorridente. Seu olhar quis desviar-se, mas ele, consciente como era, resgatou de imediato a sobriedade do ato. Entregou o documento, recebeu a contrafé, assinada Ivone Brasil com bela caligrafia. Retirou-se, como sempre com palavras de respeitoso agradecimento, acompanhadas de um meneio de cabeça. Discrição profissional era seu selo de garantia. Dias depois ao ver a mulher entrar na Agência do Banco do Comércio, soube tratar-se de “Deise”, recém chegada em Pompéu como amante de um conhecido cidadão. Pouquíssimas pessoas sabiam seu verdadeiro nome: Ivone Brasil. Assunto encerrado.

Em seu trabalho preferia diligências externas, principalmente as citações e intimações, mesmo as policiais, além das judiciais. Durante a execução dos serviços, principalmente no meio rural a justiça alugava-lhe um carro de praça, viatura que as famílias interessadas ajudavam a pagar e lá ia o Badu com o documento malquisto por todo destinatário. Com o passar dos anos e exercício contínuo da função, conhecia quase todas as fazendas do município e as poeirentas ou enlameadas estradas vicinais.

Lá pelos finais dos anos 50, o destacamento de Polícia, com um cabo e dois soldados, recebeu uma viatura policial que chegou da Capital, dirigida por um conterrâneo, o Gerci da Dota, trazendo um Delegado Especial, um detetive e um escrivão. O cabo Rafael comandante do destacamento deu um pulinho na casa do Badu e o convocou para mais uma missão.

Tratava-se de encontrar um homem acusado de assassinato no meio rural, e que por lá mesmo devia estar escondido. Badu calçou seu par das tradicionais botinas gomeiras, sem cardaços, e foi lá se apresentar ao Delegado que já o esperava. Nos contatos profissionais ele conseguia manter a formalidade e passava a imagem de carrancudo e sério, bem diferente do brincalhão com as pessoas íntimas nas horas de folga.

Conhecia o caso sem maiores detalhes. Agora ouvia o delegado a informação de que a Justiça queria que o caso fosse deslindado. O primeiro passo era prender e ouvir o acusado.

O Delegado já possuía o boletim de queixa-crime feito na delegacia de Pompéu anotado pelo próprio Cabo Rafael, o registro da oitiva de cinco testemunhas do fato e relatos da conduta do acusado. Havia claros indícios de que se tratava de querela por uma barra de terras nos confins do município. Constava os endereços dos confrontantes dos terrenos, dos dois conflitantes, com nome das fazendas, e algumas referências que ajudavam a chegar até a fazenda do acusado. Quis saber sobre seus parentes na cidade, especialmente outros fazendeiros próximos ou mais distantes. Ficou sabendo que ele tinha um primo irmão, o Pedrito, com quem no entanto mantinha forte desavença de há alguns anos, fato que era de todos conhecido.

Badu ocupou na viatura o lugar do escrevente e pelas estradas poeirentas naquela época de seca se embrenharam. O mesmo tanto que o Delegado ficava calado o detetive falava, fantasiando as cenas da prisão do acusado.

“Deverá estar por ali mesmo”, dizia “já que possui propriedades, animais e plantios a cuidar nas suas posses. Vai estar ali num ranchinho abandonado de lavoura colhida ou mesmo numa grota seca com mais garantia de esconderijo.
Nosso meirinho ouvia tudo, mas mantinha-se calado, até que o Delegado, num “estalo de Vieira”, o arguiu:

– Senhor Jader, o senhor teria alguma sugestão?

Badu sentiu-se valorizado e disse com firmeza.

– O Doutor pode me chamar de Badu. É assim que todo mundo me trata aqui em Pompéu.

– Vamos pra fazenda do Pedrito, sugeriu -, exatamente o primo irmão desafeto do evadido. E indicando o caminho entre as sucessivas bifurcações de fazendas em fazendas impressionou muito o delegado por sua convicção. O detetive, que já tinha ouvido falar da inimizade dos dois primos, balançou a cabeça, levantou os ombros e riu com desdém.

Mas o delegado, por instinto farejador que a função outorga, sinalizou para o motorista seguir as instruções do Badu. E lá se foram para a distante fazenda do primo irmão, Pedrito.

Chegando na porteira da fazenda, o próprio Pedrito veio recebê-los e já foi informando que o primo iria se entregar, pedindo apenas que fosse bem tratado. Nenhuma violência se fazia necessária. Toninho Costa, o acusado tomava um banho para se entregar às autoridades policiais dignamente.

O detetive, com todas as informações previamente recebidas, sentiu-se constrangido com o convicção do Badu e num gesto súbito de humildade perguntou:

– Sr. Jader, o que levou o senhor a supor que o Toninho estava na fazenda do Pedrito?

E o Badu deixando soltar o lado mais comum em sua vida sorriu e devolveu-lhe a pergunta:

– Se o senhor cometesse um crime e fosse se esconder, qual seria o último lugar que te procurariam?

Comentários
  • Heliane Santos Guimarães 2709 dias atrás

    Meu tio querido. Que saudade tenho quando ali morava e tinha diariamente sua visita. Hoje ele está junto de Deus.

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