A oração de Maricota

Publicado por Carlos Scheid 17 de janeiro de 2018
a oração de maricota

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Naquele sábado, Maricota acordou triste. Mais um dia de solidão. Era sempre assim quando a escola não funcionava. Um vazio imenso tomava conta de seu coração solteiro.

Maricota saiu pela rua deserta, calçada de pés-de-moleque, e dirigiu-se para a velha matriz. Nas paredes do edifício colonial, a franja verde da hera cobria toda a pedra. Entrou pela porta lateral e dirigiu-se ao altar de Santo Antônio de Pádua, famoso por sua intermediação matrimonial. De joelhos, Maricota rezou:

– Meu querido Santo Antônio, eu já passei dos 34 e ainda não me casei. Será que o senhor se esqueceu de mim?
O silêncio no templo era absoluto. Nem uma mosca zumbindo na nave. Maricota não desanimou:

– Sabe, Santo Antônio, eu queria que me arrumasse um maridinho… Nem precisa ser rico igual ao Juca da Isaurinha, lá do Mercado Novo. Não precisa ter sítio nem carro do ano. É só pra me fazer companhia…

Como a imagem permanecesse hirta e séria, a moça foi adiante:

– Pois é, meu santinho querido, tenho fé que o senhor vai me dar um maridinho. Nem precisa ser bonito igual ao Apolo da Mariinha, que saiu na capa da “Caras” e tem aquele baita bigode preto. Pode ser feinho e magrelo, que nem o Gabiru da Helena… Eu não quero mais é ficar sozinha!

No nicho da parede, Santo Antônio nem pestanejava. Mas parecia prestar atenção. Um ventinho veio lá de fora e balançou as palmas brancas ao pé do santo. A oração esticava:

– Meu santo, eu não estou querendo nada demais, não. Meu maridinho nem precisava ser trabalhador como o Seu Tenório que, depois de trabalhar quarenta anos na Cooperativa e se aposentar, agora varre o quintal todo dia e arruma a cozinha para a Rosalinda. Mesmo que seja um homem malandrinho, serve. Só não quero é ficar assim abandonada…

Entraram dois pardais pelo vitrô, fazendo algazarra em revoada. A imagem do Santo nem se mexeu, como não se mexia ao ouvir Maricota. Quando as avezitas saíram, a moça retomou o fio da conversa e foi adiante:

– E então, meu Santo Antônio? Será que desta vez o senhor vai me atender? É só um maridinho… Nem precisa ser moço e forte como o Dudu da Zezé, que carregou ela no colo na lua-de-mel… Pode ser já de meia-idade como o Demóstenes do Correio. Eu até prefiro alguém mais maduro, sabe?

Uma porta bateu. Era o sacristão que chegava para varrer a igreja e espanar os bancos, pois naquela noite começava a novena de Pentecostes. Deu uma paradinha quando viu Maricota, mas foi discreto e sumiu pela sacristia. Santo Antônio também permaneceu louvavelmente discreto.

– Ei, meu santo – prosseguiu Maricota -, vou ou não vou ganhar um maridinho? Nem precisa ser educado e fino como o Aldrovando da Tininha, que foi seminarista e vive cheio de rapapés… Pode até ser meio estúpido, como o Paraíba da Docênia, que costuma dar uns gritos com a coitada, a ponto de assustar a vizinha e deixar o Rex de orelha em pé. Só quero mesmo é um companheiro ao meu lado…

Maricota olhou para o santo e, como os raios de sol começavam a bater na imagem, teve a impressão de que o santo lhe sorria. Talvez fosse uma resposta positiva.

Animada, Maricota encerrou sua prece:

– Enfim, querido Santo Antônio, e não me leve a mal tanta insistência… Tenho um último pedido a fazer: pela sua preciosa intercessão, me livre de toda inveja. Amém!

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