XLIII – Um sentido para a vida

Publicado por Bill Braga 19 de outubro de 2017
Um sentido para a vida

Um sentido para a vida

Novamente eu estava encarcerado, preso, aqueles que diziam me amar acreditavam que eu representava um perigo para mim mesmo e para os outros. Meu crime, apenas ter ousado ser diferente, pensar além da caixinha, não suportar viver em um sistema hipócrita e buscar na medicina indígena da ayahuasca uma forma de conexão espiritual. Hoje sei que a espiritualidade está em coisas bem mais simples, e que nada externo pode nos trazer a conexão e a felicidade que eu tanto almejava. E sentia, era maravilhoso, sentir como tudo se encaixava, e como se o mundo fosse uma grande aventura de autodescobrimento, em que cada personagem trazia uma nova pista no enigma do Ser. Mas parecia que os caminhos que eu havia escolhido, se é que temos de fato uma escolha, estavam me levando para o rumo contrário do que eu gostaria. Foram várias internações seguidas, eu resistia, dizia que quando saísse tomaria o chá de novo, e que seguiria no caminho do xamanismo

A essa altura minhas relações sociais já estavam despedaçadas. Ninguém tem muita paciência para conviver com alguém que é considerado uma bomba-relógio, um problema. Sutilmente, sem deixar rastros, velhos amigos foram se afastando. Se no começo iam me visitar nas clínicas a certa altura já nem ligavam mais para saber como eu estava. E eu me distanciava de tudo também, acreditando ter que me desapegar das coisas mundanas para viver uma vida plena, espiritualmente falando. Os programas rotineiros, as saídas, as mulheres, nada mais fazia muito sentido.

Inclusive nesse aspecto toda minha aventura com Daniela em São Thomé foi destrutiva. Perdi totalmente o interesse em Natalia, que me amava profundamente, e todas as outras mulheres pareciam não chegar aos pés da Dani. Esperava que de alguma forma ela fosse me ajudar, me levar para morar com ela, compartilhar um sonho juntos, tudo isso muito bonito nos meus sentimentos de sonhador. Talvez para ela não tenha sido mais que uma aventura. E minha família demonizando-a contribuía para que ela se afastasse.

Sem amor, distante dos amigos, sem poder tomar ayahuasca e me inserir numa nova comunidade fiquei totalmente alijado da sociedade. Aos poucos, ao longo daquele ano de 2013 fui caindo no abismo da depressão. Me isolei do mundo, não tinha interesse em nada, ficava deitado em minha cama, fazendo o que fosse preciso para matar o tempo. Vinha o sentimento de morte, mas sempre fui covarde demais para me matar. E afinal de contas eu tinha vivido os sentimentos de êxtase mais sublimes, ainda havia a esperança de reencontrá-los. Como?, eu ainda não sabia. Mas sabia que havia de passar pela longa noite escura da alma, nas palavras de São João da Cruz, místico católico, para voltar a sentir-me no paraíso.

Durante esse tempo passei quase sem interagir com ninguém. Nada trazia algum sentido para a minha existência que se mergulhava num nada. Mas não o Nada, esse sublime vazio, mas um Nada em que a mente não pára de conjecturar o que deveria ou não fazer para sair daquela situação, numa tortura mental paralisante. Nada de poesia, música ou paixões, minha vida se resumia em porcamente ser.

No fim daquele ano uma nova possibilidade me tirou dessa zona de desconforto. O meu antigo gerente me convidou para gerenciar a livraria de Juiz de Fora. Meu pai morava lá, o que facilitava as coisas, e resolvi encarar o desafio, mesmo sem saber bem como ou porque o faria. Parti de malas prontas para Juiz de Fora, esperando que a vida sorrisse para mim em alguma oportunidade, e que os olhos voltassem a brilhar.

Chegando lá me entrosei com a equipe rápido, eram pessoas boas, mas a vida era de casa para o trabalho e do trabalho para a casa. Não me contentava com isso, havia uma inquietação, e como sempre comecei a buscar alternativas para me satisfazer por lá. Descobri que havia uma igreja do Santo Daime lá e entrei em contato com o dirigente. Parei de tomar meus remédios, e resolvi que tentaria mais uma vez encontrar a solução com a ayahuasca, mesmo que me dissessem o contrário.

Fui até a igreja, no dia anterior aos “trabalhos”, e fizemos uma entrevista. Falei que tomava remédios, mas havia parado, ele me contou toda a história do daime e me explicou como seria o ritual. No dia seguinte fui até lá, onde não conhecia ninguém, mas todos me pareciam extremamente amigáveis. E lá foi onde tomei o daime pela terceira vez, sendo a primeira vez numa igreja. Ali era tudo bem diferente do que eu conhecia, haviam os hinários para todos irem cantando e bailando ao longo da cerimônia. Tudo muito bonito, mas eu não sentia estar “pegado” de daime, como dizem na gíria. Tudo bem, depois eu voltaria, apesar de aquela vez não ter feito muito sentido.

No dia seguinte amanheci já com medo de que meu pai reconhecesse que eu havia tomado o daime. Eu havia dito para ele que era um centro espiritualista eclético e ele então não viu problemas. Quando tomei o tradicional leite pela manhã, veio o enjoo. E a purificação. Corri para o banheiro e vomitei tudo que não tinha vomitado durante a cerimônia. Mas eu me senti mais leve. E tomei uma decisão àquela hora, iria me tornar vegano! Eu já era vegetariano há um tempo, mas a reação ao leite me levou a ir mais a fundo e assumir o veganismo como estilo de vida.

Fui trabalhar, e tudo parecia mais leve. As músicas gospel que uma das meninas gostava de ouvir já não me incomodava mais. Os clientes eram mais interessantes, conheci uma pessoa que era muito “nova era”, e disse que me apresentaria pessoas nessa mesma “vibração” na cidade. Passei a ir para a praça da cidade meditar no meu horário de almoço. Tudo parecia fluir magicamente. Eu resolvi comprar um tênis, Allstar, que havia tempos eu queria ter. Comprei e, quando fui para a praça, um dos hippies que estava lá pediu que eu desse o tênis para ele. Eu dei. Estava desapegado de tudo.

Meus comportamentos não sei se foram tão estranhos assim, mas eu me vigiava como que para não dar na cara que eu estava bem, conectado. Isso é horrível, ter que viver se policiando, como se tivesse feito algo errado, quando na verdade eu só buscava a plenitude. O fato é que de alguma forma, além do episódio do tênis, algo mais havia transparecido, a ponto de meus colegas de trabalho ligarem para meu pai para falar que eu estava estranho. Estranhamente feliz? É, talvez a felicidade não sirva para ser compartilhada com os sãos… Não a felicidade dos loucos.

Um dia enquanto eu estava meditando na praça, aguardava o contato de seres de outras dimensões, como pleiadianos e arcturianos, seres de um amor incondicional, dos quais eu vinha me aproximando. Enquanto meditava, esperando um contato com esses seres extraterrestres, eis que chegam minha mãe e meu irmão. Esperava outro tipo de resgate, mas tudo bem.

Como eu considerava que estava na força, achava que nada podia me acontecer e que eu estava protegido por seres divinos, espíritos da floresta. Eles me levaram à casa do meu pai, onde tivemos uma reunião. Eu contei que tomara o daime, mas disse que estava tudo bem, e que nada de errado iria acontecer, mas meus argumentos e minha proteção divina falharam mais uma vez. Eles me sugeriram ir a Belo Horizonte para uma consulta com minha psiquiatra. Eu tolamente acreditei que seria apenas uma consulta e voltei para BH com eles.

Novamente caindo nas garras do sistema psiquiatrizante eu cheguei em BH e fui internado. Péssimo timing, quando as coisas começavam a dar certo em Juiz de Fora, o processo voltava à estaca-zero. Eu já estava acostumado com os trâmites, os 21 dias de internação, então encarei com suavidade. Infelizmente aquilo se tornara rotina para mim e por mais que tentasse não tinha forças para resistir. Mas novamente eu voltava ao ponto zero, que rumo tomar a partir dali, como recomeçar uma vida, como buscar um novo amor, como buscar sentido para a coisa mais sem sentido que é a vida?

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